Pós-graduações IMED 2013

domingo, 27 de setembro de 2009

O mundo de Maya

O pensamento oriental ensina que o mundo é Maya, ou seja, é uma ilusão. Esse ensinamento pode parecer um contra-senso para nós, afinal vemos pessoas, prédios, carros, nos relacionamos e trabalhamos. Isso é uma ilusão? Não existe? Existe sim. Dizer que o mundo é uma ilusão não é dizer que nada existe, mas é afirmar que as coisas podem ser diferentes do que o que estamos vendo e sentindo.

Quanto uma pessoa tem depressão, por exemplo, não é ilusão o sentimento de tristeza que ela tem, nem a falta de energia para fazer as coisas. Ela também não é uma pessoa preguiçosa ou vagabunda, como os familiares ou ela mesma pode vir a acreditar que é. Se ela se apresenta nesse estado, é porque um conjunto de acontecimentos prévios favoreceu esta situação. Como dissemos já em outros artigos, os fatores genéticos possuem influência sobre os transtornos mentais, tanto quanto os aspectos relacionais. É nesse ponto, nas relações que estabelecemos, que as ilusões passam a existir.

Pesquisas em psicologia cognitivo-comportamental têm apontado que a pessoa que está com depressão percebe-se de forma negativa, percebe o mundo como hostil ou ameaçador e visualiza seu futuro com pouca ou nenhuma esperança. Isso significa que ela vê a si mesma, o mundo e o futuro de forma triste, sem perspectivas de mudança, porque sua tristeza acaba por prejudicar seu raciocínio. Então, mesmo que alguém tenha dinheiro, um bom emprego e relações afetivas satisfatórias, não vai conseguir se sentir bem porque não vai enxergar as coisas favoravelmente, e isso vai gerar mais tristeza, criando um círculo vicioso.

A medicação tem papel muito importante para restabelecer os neurotransmissores, que é uma das etapas do tratamento da depressão. Mas um tratamento somente com medicação não é suficiente, na maioria dos casos, para restabelecer a saúde mental. Nesse ponto é que entra o combate à Maya. Ao conversarmos com alguém com depressão, poderemos observar que ela vai mencionar que as relações que estabeleceu com pessoas importantes no passado nem sempre foram tranqüilas, e é bem possível que, de uma forma inconsciente, ela aprendeu que com ela as coisas não vão dar certo. É bastante comum ver que pessoas com depressão tiveram muitas cobranças emocionais de pessoas importantes, como os pais, e aprenderam que devem fazer tudo "certinho" para agradar essas pessoas. Como não temos o hábito de analisar nossos comportamentos e o comportamento de nossos pais em profundidade, geralmente é só quando se faz psicoterapia que se pode identificar que essas cobranças estão atrapalhando muito a vida do paciente. Muitas pessoas talvez não gostem da psicoterapia porque ela confronta nossas crenças e derruba ilusões: ilusão de que nossos pais foram bons para nós, a ilusão de que nosso emprego era tudo o que queríamos, e a ilusão de que o casamento que temos é o melhor ou o pior do mundo. Isso não significa que os pais, os companheiros e os chefes são os culpados pelo que acontece de ruim em nossas vidas: significa aceitar que eles são humanos, como nós, e acertam e erram, como nós.

Se é um processo doloroso derrubar as ilusões, reconstruir uma nova possibilidade de vida é trabalhoso. Mas nossas vidas são feitas de escolhas. Podemos escolher continuar sofrendo e não fazer nenhum tratamento. Podemos escolher só tomar a medicação. Podemos escolher continuar no emprego que nos dá um bom salário mas nos tira a noite de sono e a paz. Pasmem, podemos escolher ficar no casamento que temos, mesmo que ele seja horrível. Podemos escolher reclamar sem fazer nada, ou então aceitar passivamente sem reclamar nossas dores e sofrimento. Mas se optamos por desconstruir nossas ilusões, assumimos riscos: o risco de ter felicidade, o risco de ter liberdade, e o risco de comandar nossa própria vida.

*Este artigo foi publicado num jornal local em 2008.