*Este artigo foi publicado no jornal O Nacional, de Passo Fundo, em 17 e 18 de Janeiro de 2009. Resolvi postar no blog porque as coisas continuam iguais...
Se aquilo que uma sociedade lê reflete o que ela é, podemos concluir que a ciência é algo que não está muito no gosto dos leitores brasileiros. Em visita costumeira a algumas grandes livrarias de Porto Alegre, observei a disposição das estantes e a quantidade de títulos mostra algo curioso: além da literatura ficcional e não-ficcional, há uma grande oferta de livros de auto-ajuda. Nenhuma novidade, qualquer um pode constatar. O interessante é que estes livros estão expostos de forma que o público que entra na livraria os visualiza com facilidade e rapidez. Os livros científicos, e me refiro especialmente os de divulgação científica, que exigem do leitor um conhecimento apenas mínimo de ciência, por sua vez estão quase ausentes. Se você quiser livros de divulgação científica, vai ter que procurar. Quando encontrar, vai observar que ocupam um espaço muito pequeno em relação ao espaço da livraria como um todo (chuto por alto 1% sendo bem generoso) e, além disso, com poucos exemplares, poucos títulos e pouca visibilidade.
Esse contraste é curioso. Por que a auto-ajuda vende mais do que a ciência? Por várias razões. As pessoas possuem necessidades emocionais prementes que os livros de auto-ajuda prometem resolver com rapidez e eficiência; e realmente são muito rápidos. Você termina de ler o livro e já esquece. Numa sociedade onde as pessoas não têm mais o conforto de alguém que lhes diga como se comportar, títulos diversos de auto-ajuda dão uma referência de comportamento, mesmo que momentânea. Os livros de auto-ajuda são escritos numa linguagem muito acessível, o que facilita a leitura, além de terem letras agradáveis e não serem volumosos. E não exigem que o leitor pense muito: você joga meia-dúzia de fatos da vida, mais uma pitada de senso-comum, uma dose de "veja como você não consegue ver coisas óbvias em sua vida" e um toque final de "faça assim que você vai se dar bem" e a fórmula não tem erro. É batata. Além disso, constroem uma falsa sensação de que você descobriu as coisas que estão dando errado em sua vida e que possui o poder de mudá-las pela "força do pensamento", sentimento que dura até você começar a ler o próximo título que diz basicamente a mesma coisa.
E a pobre ciência... milhões de reais são investidos anualmente na busca de soluções científicas para os problemas humanos, e o que acontece com ela? Fica alheia à vida real, aos problemas reais, acessível a uns poucos iniciados que entendem a linguagem da matemática e ficam fuçando nas coisas até descobrir como elas funcionam. A ciência é vista como algo complicado, chato, difícil de entender, e é claro que ela vai continuar sendo assim, afinal nosso sistema educacional, por falta total de vontade política, não tem interesse que os alunos saiam pensando pelas suas próprias cabeças. Para você que fez o ensino médio, uma pergunta: quantos experimentos de química, por exemplo, você fez? Quantos você viu? E não vale a desculpa de que para fazer experimentos é necessário estrutura, equipamentos... Você sabia que com um pedaço de zinco, outro de cobre e um limão pode-se gerar eletricidade? Possivelmente não; talvez isso se deva ao fato de o limão estar muito caro no mercado. Essa é a melhor fórmula para deixar as pessoas alheias ao conhecimento: dar a ilusão de que sabem algo que na verdade não sabem. Fica bem para todo mundo assim, né?
Quando for numa livraria, se você tiver esse hábito, dê uma passada na seção de divulgação científica. Veja os títulos. Tenho certeza de que algo vai chamar sua atenção. E será algo que vai durar na sua vida muito mais tempo do que um exemplar de auto-ajuda.
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