Pós-graduações IMED 2013

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A psicologia não é a ciência da alma

Uma das primeiras coisas que um estudante de psicologia discute na faculdade é a definição de sua futura área de atuação. No primeiro semestre, as disciplinas apresentam um histórico de como a psicologia foi se constituindo, e constata-se que, em seus primórdios, ela era definida como o estudo (logos) da alma ou espírito (psiqué).


De acordo com o professor William Gomes, do instituto de psicologia da UFRGS, o termo apareceu inicialmente como título de um livro publicado em 1590 por Rudolf Goclenius. Na obra, a definição de psicologia refere-se ao estudo da alma, psique ou da mente. A partir daí, o termo começou a se popularizar gradativamente, e em 1879, quando a psicologia como ciência nasce se separando da filosofia, com a criação do laboratório de psicologia por Wilhelm Wund na universidade de Leipzig na Alemanha, ela torna-se a ciência da mente e do comportamento.

Mas é interessante observar que no imaginário das pessoas, e até mesmo de profissionais da área da saúde, persiste a definição da psicologia como o estudo da alma, e vez por outra o encontramos em artigos e entrevistas. Esta conceituação não é a mais adequada, por várias razões. Primeiramente, quando se fala em alma remete-se, em maior ou menor grau, à crença na existência de algo "imaterial", da qual não se tem comprovada cientificamente a existência. Desta forma, como se pode estudar cientificamente algo que não se pode identificar com clareza, nem manipular de alguma forma? Em segundo lugar, existe uma conotação místico/religiosa quando se fala em alma, pois se pressupõe a existência de algo que persiste à vida do corpo. Assim, seria impossível que ateus, agnósticos ou outros que negassem a existência de algo além do corpo pudessem ser psicólogos, pois ou seriam psicólogos, admitindo essa entidade que controla o comportamento, ou não poderiam ser ateus ou agnósticos.

Atualmente, o corpo científico oficial reconhece que o cérebro é responsável pelo controle e manifestação do comportamento. Existe uma base biológica que permite que possamos nos lembrar, pensar, prestar atenção ao mundo, nos relacionarmos com os outros e amar. E essa base, o cérebro, pode ser manipulada e controlada de várias formas, sem que seja necessário considerar a existência de algo supramaterial. Isso não quer dizer que a psicologia é contra as crenças das pessoas; crer em algo pode ser um bom elemento de prevenção de sofrimento mental. Quer dizer somente que é fundamental deixar demarcadas as fronteiras entre as crenças religiosas e espirituais e a ciência. Só assim será possível fazer boa ciência e deixar que as pessoas mantenham as suas crenças, sem conflitos diretos com o conhecimento científico.

Afinal, nunca é demais dizer, religião e ciência são coisas diferentes, tratam de problemas diferentes; se a religião diz como as pessoas devem se comportar para encontrar a paz ou a salvação, a ciência se ocupa de compreender como o mundo funciona. Por estas razões, é mais acertado dizer que a psicologia é a ciência do comportamento, ou da mente, e não o estudo da alma. Ao fazer isso, mantemos cada coisa em seu lugar.

*Publicado no jornal O Nacional, de 16 e 17 de fevereiro de 2013.

2 comentários:

Edurt disse...

É curioso como uma definição de Psicologia estabelece-se em um campo complexo de discussão. Se tomarmos por base o conceito apresentado no texto como "a ciência da mente e do comportamento", nós encontramos dois fortes impasses.
O primeiro dele diz respeito à caracterização da Psicologia como ciência. De um ponto de vista metodológico científica e epistemológico a Psicologia não consegue alcançar o status pleno de ciência. Ela se constrói em cima de um conjunto de teorias que tomam diferentes objetos de estudos e que, de maneiras completamente distintas, buscam explicar os mesmos fenômenos, não existe um axioma, um paradigma comum a todas as áreas. Ademais, muitas das várias "Psicologias" dependem de interpretações intuitivas e subjetivas incapazes de serem replicadas ou mesmo falseadas. Desse modo, dentro da visão científica oficial (adotada como referencial para o texto), deveríamos começar retirando da definição de Psicologia a palavra "Ciência", substituindo-a por "campo de estudo", "área de estudo", etc.

O outro ponto apontado no texto a ser refletido é a questão do mentalismo. Quando tomamos por base o seguinte trecho "E essa base, o cérebro, pode ser manipulada e controlada de várias formas, sem que seja necessário considerar a existência de algo supramaterial" nos deparamos com um sério problema em relação à definição apresentada. A mente aparece na doutrina oficial sustentada pela visão dualística cartesiana, de modo que possa-se separar o corpo e a mente. O primeiro aparece como a parte material, espacial, temporal, e sujeitos às leis físicas, enquanto a última, por sua vez, aparece justamente como a negação dessas características. (LOPES & ABIB, 2003) Assim, a mente se consolida, justamente como algo supramaterial, pois assumimos a existência de uma instância chamada mente, a substantivamos, imputando a ela o status gramatical de substância (que muito se assemelha ao conceito de alma).

Para conseguirmos diferenciar a mente da alma, somos obrigados, portanto, a vinculá-la ao corpo, especialmente ao cérebro. Quando entendemos os processos mentais como cérebro-dependentes, os termos mentais pensamento, sentimento, etc. são reduzidos a processos biológico-físico-químicos vinculados ao sistema nervoso. Esses processos podem ser entendidos como uma relação de um conjunto de sinapses em reação a um determinado estímulo interno ou externo – utilizo o termo relação em lugar de somatório para não reduzir o todo à soma das partes; o funciomaneto dessa relação sináptica como um sistema é diferente de apenas um simples somatório.
Por essa ótica, os termos mentais são desubstancializados e passam a ser compreendidos não como substantivos supramateriais (pensamento, sentimento, etc.), mas como ações (pensar, sentir, etc.), e são respostas a estímulos pois a ativação neuronal depende de estimulação para alcançar o potencial de ação. Assim, caímos da definição de comportamento: “Behavior: The actions or reactions of a person or animal in response to external or internal stimuli.” (The Free Dictionary) [Comportamento: as ações ou reações de uma pessoa ou animal em resposta a estímulos externos ou internos].

Edurt disse...

Conclui-se, portanto, que o que definimos por mente é um conjunto de processos mentais, que, por sua vez, são comportamentos. Desse modo, a definição mais plausível para Psicologia seria “o campo responsável pelo estudo do comportamento”.
Apesar da discussão levantada não pretendo, com o comentário, defender que a Psicologia se reduza ao behaviorismo, muito pelo contrário. Defendo uma Psicologia que se consolide como ciência e que seja realmente capaz de dialogar com todas as áreas de estudo que a sustentam, em especial a Biologia, muitas vezes negligenciadas por psicólogos, em especial psicanalistas e behavioristas. A psicologia deve ser capaz de fundamentar um corpo teórico pautado em um paradigma capaz de dar conta de seus aspectos biológicos-materiais, objetivos, subjetivos e sócio-culturais. Não defendo uma visão positivista, mas acredito que a Psicologia é ainda um campo de saber muito jovem para se consolidar como ciência da maneira que pretende. Por essa razão sou adepto de uma psicologia mais voltada para o aspecto acadêmico do que prático-mercadológico. Ainda sabemos muito pouco para podermos querer sustentar tão veementemente nossas verdades teóricas absolutas. Todavia, não concordo com a posição dualística cartesiana que sustenta o mentalismo.