Seguindo os problemas apontados na postagem anterior, que mencionou que antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) não seriam mais eficazes do que placebo, outro tema merece uma atenção cuidadosa pelos profissionais da saúde mental: os antidepressivos não funcionariam como se acredita que funcionam.
O modelo médico vigente de saúde-doença postula que o tratamento deve idealmente reestabelecer o funcionamento prévio do organismo; então, o objetivo da medicação é "normalizar" as funções que não estão equilibradas. Assim, o funcionamento de medicações antidepressivas deve-se ao fato de que a medicação aumentaria os níveis disponíveis de serotonina para os neurônios, facilitando o funcionamento das sinapses. Até aqui tudo bem, a não ser a falta de comprovação de que isto ocorre de fato.
Joanna Moncrieff, da University College London e David Cohen, da Florida International University, discutiram essa questão num artigo onde é proposto que antidepressivos criariam um estado "atípico" no cérebro. Este estado diferenciado é o que produziria os efeitos antidepressivos, de modulação do humor e redução dos sentimentos de tristeza e os outros sintomas da depressão.
O que sustenta esta tese? Os autores argumentam que haveria pouca evidência que sustenta que os antidepressivos reestabelecem os níveis normais de neurotransmissores - pesquisas não mostram, por exemplo, falta de serotonina (um neurotransmissor que seria relacionado à depressão) ou outras monoaminas em pessoas com diagnóstico de depressão. Estudos com animais também apresentam inconsistências, que referem-se especialmente a "o que" seriam os sintomas de depressão nestes animais. Estes argumentos, dentre vários, seriam suficientes para levantar a lebre.
Assim, os autores citados apresentam uma explicação alternativa para o funcionamento de antidepressivos. O modelo padrão é o centrado na doença, que explica que os antidepressivos funcionam porque reestabeleceriam os níveis anormais de neurotransmissores. O alternativo, chamado de "modelo centrado no medicamento", aposta que é a alteração cerebral provocada pelo medicamento o que traria um alívio dos sintomas. Seria mais ou menos como dizer que o álcool seria um bom tratamento para fobia social porque "solta" a pessoa.
Se o modelo centrado na droga se mostrar coerente, muita coisa vai mudar no entendimento e no tratamento dos transtornos mentais.
2 comentários:
Não percebo como os dois modelos se diferenciam significativamente. "Restabelecer padrões bioquímicos normais" pode ser o mesmo que "alterar o funcionamento do cérebro", isto é, a alteração cerebral provocada pelo medicamento = restabelecimento de padrões normais de funcionamento.
Mas pode ser, como você comentou, que a explicação da melhora esteja enganada. Por mais que os dois modelos possam, em algumas circunstâncias, se coincidir, há casos em que a alteração provocada pelo medicamento não é aquela teorizada. Nesses casos, em vez de resgatar a paisagem bioquímica saudável, os psicofármacos estariam alterando por vias alternativas mas, ainda assim, terapêuticas.
Compreendi bem? Se assim for, como poderiam mudar os tratamentos com psicofármacos?
Olá Daniel,
Sim, é isso mesmo. Mas é uma teoria. Embora tenha postado no blog, não significa obviamente que sou a favor desta explicação; achei interessante por oferecer um ponto de vista inovador, e que pode contribuir com a pesquisa futura.
Como a ciência anda a passos curtos, mas que buscam ser precisos, a confirmação ou refutação desta hipótese poderá ser algo interessante para a psicofarmacologia.
Não penso que, a curto prazo, a forma como o tratamento com psicofármacos é realizado irá mudar substancialmente. Uma coisa é a pesquisa básica, outra é o atendimento clínico. Este demora algum tempo para mudar, visto que toca em algo lento: a mudança da forma como as pessoas trabalham.
Mas vamos continuar observando...
Abraço e obrigado pela visita e comentário.
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