Pós-graduações IMED 2013

terça-feira, 3 de julho de 2007

Corpo e mente (II)

Existe uma história grega sobre uma personagem chamada Atlas. Ele seria o responsável por sustentar o orbe terrestre sobre seus ombros, e teve esse castigo imputado por Zeus porque tentou, com outros Titãs, dominar o Olimpo.

Essa história, como muitas outras da mitologia, serviu por um bom tempo como explicação. Mas ao ler a história, fica a pergunta: se Atlas sustenta a Terra e os céus, onde está apoiado? Deveria haver algo que o sustentasse. Algumas versões dessa história dizem que ele estaria sobre o casco de uma tartaruga gigantesca. Contudo, isso só faz retroceder o problema a outro ponto, que é saber onde a tal tartaruga estaria apoiada. E assim sucessivamente, ad infinitum.

Uma analogia dessa história é utilizada comumente na filosofia da mente. Há quem diga, no senso comum, que na mente existe um “ser” que é capaz de receber as informações dos sentidos, processar as informações, captar as imagens dos olhos, registrar os eventos na memória, em suma, uma espécie de “pessoazinha” que gerencia as informações. Bem, aqui cabe a pergunta: se existisse uma “pessoazinha” assim comandando nossa mente, quem comandaria o que essa “pessoazinha” pensa? Porque ela deveria ter uma mente para pensar, processar as informações; também deveria ter memória para acionar os “comandos” mentais para registrar a nossa memória, ter um aparato sensorial para identificar se uma informação é um estímulo sensorial ou pensamento, e assim por diante. Então, ela teria uma “pessoazinha” dentro da cabeça dela? E até onde isso retrocederia?

Fica claro que essa explicação é insuficiente. Por mais que não saibamos bem o que faz com que tenhamos uma mente, temos que admitir que o aparato neural é a base da mente. A não ser, claro, que façamos uma opção – não tão diferente da explicação dada ao apoio de Atlas – de explicar o pensamento humano por outra entidade mítica, que é a alma.

Considerar a alma como sede da vontade, do pensamento e dos sentimentos é assumir um ônus que a ciência não tem como pagar. Por exemplo, supondo que a alma é a sede dos pensamentos, de que ela seria feita? Seria imaterial, diriam alguns; mas agora ainda persiste a pergunta feita anteriormente (Corpo e mente, de 29 de junho de 2007): se é imaterial, como ela influenciaria os neurônios? Neurônios são físicos, portanto necessitam de uma base física para que sejam influenciados. Isso gera mais transtornos do que explicações, e o pior de tudo é que estaríamos totalmente no terreno da metafísica, e não no campo da ciência.

Outros, lançando mão de argumentos pseudo-científicos, diriam que a alma é energia, e a energia pode influenciar a matéria porque é uma outra face desta. Há uns 300 ou 400 anos se diria que a alma era uma quintessência (ou seja, uma essência não-material, pois o conceito de energia ainda não havia sido sistematizado) ou um éter (igualmente algo não-material e não-identificável, cuja existência foi refutada por experimentos no início do século XX). Hoje ainda há quem defenda a existência de um éter, mas não vou entrar nessa discussão: quero assinalar que dizer que a alma é feita de energia é usar de um mecanismo psíquico já explicado pela Gestalt: se duas coisas possuem alguma propriedade em comum, são percebidas como relacionadas (princípio da semelhança). Então, se a energia é algo invisível, e a alma é algo invisível, seria legítimo concluir que ambas possuem uma natureza em comum; daí a considerar que a alma é energia é um passo curto.

3 comentários:

Maria Elisabete Vieira disse...

Adorei a parte que diz:"se é imaterial como poderia influenciar os neurônios?

Maria Elisabete Vieira disse...

Cumprindo ordens...
Marx disse, certa feita, que a ciência evoluiria a tal ponto que provaria a inexistência de Deus (aqui escrito em letra maiúscula porque se refere ao deus católico).
Nos últimos anos, e com os avanços da ciência, pricipalmente na área da genética, parece que a ciência não tem explicação para determinados "fatos", e "apela" para um "deus".
O mesmo poderíamos indagar acerca do texto do Professor Vinícius,no que tange à alma, e pergunto: podemos dizer que algo não existe porque um dos nossos cinco (toscos) sentidos não identifica?
Ou porque a ciência não conseguiu comprovar a sua existência?
Não que meus princípios religiosos ou filosóficos de vida acreditem em uma alma, ou algo do gênero. Mas não creio ser uma atitude sensata descartar algo simplesmente porque não enxergo, sinto o cheiro, o toque, o paladar ou ouço.
Se formos por aí, ainda estaríamos queimando hereges em fogueiras, por acreditarmos que a Terra é o centro do Universo.
:-)

Vinícius Ferreira disse...

Não sei se poderia responder a esta argumentação sem saber inicialmente quais seriam os valores do século XIX que foram mencionados.

Em relação à humidade da ciência, acho importante diferenciar a ciência e os cientistas. Claro está que cientistas são seres humanos, portanto são limitados e limitantes. Thomas Kuhn já apontou isso de forma brilhante em seu ensaio sobre a estrutura das revoluções científicas, que permanece relativamente atual apesar das críticas já tecidas pelos filósofos da ciência. A ciência é movimento, isso nos prova constantemente a premência do "estar publicando", e constantemente o conhecimento é renovado. Onde está então a incapacidade de reconhecer as limitações da ciência? Os "doutores da ciência" não são necessariamente descredenciados, a não ser vez por outra, mas sim o conhecimento por eles produzido. Agora, se "eles", no desejo de se manter numa posição de poder, se utilizam de seus conhecimentos para forçar a aceitação de suas idéias, o problema não é científico, mas psicológico ou sociológico. Bem por isso a ciência é um empreendimento de pares, onde há um monitoramento pelos colegas; isso ajuda a evitar esse uso abusivo de poder e prestígio, mesmo que nem sempre funcione. Mas mais cedo ou mais tarde o debate volta à tona e os fatos são adequadamente esclarecidos.