Pós-graduações IMED 2013

sábado, 7 de julho de 2007

Corpo e mente (III): Olá... tem alguém em casa?

A consciência é ainda um grande mistério, embora grandes avanços tenham sido feitos no seu estudo. Ela é um fenômeno abrangente, que permite tanto o reconhecimento sensorial do mundo quanto o reconhecimento de nós mesmos, de nossa identidade para nós e para os outros. Mas mesmo sendo abrangente, a consciência não é capaz de lidar com algumas informações (que acabam por ser, por definição, inconscientes), como por exemplo a secreção glandular, o fluxo sanguíneo e a lubrificação das articulações. Ou alguém tem consciência disso?

Mesmo os níveis elementares da consciência já despertam nosso assombro, que é aquele bom e velho conceito de consciência como "estar ciente de", como por exemplo o som de uma música ou a visão de um belo carro. Como é possível que uma meia-dúzia de estímulos físicos sejam capazes de sensibilizar nossas terminações nervosas, que acabam traduzindo isso em impulsos que são levados ao cérebro? E como é possível que estímulos nervosos sejam "montados" e gerando uma imagem, com cores, texturas, bordas, sensação de distância num emaranhado de células?

O pior do problema não é isso, mas é a "outra" consciência, aquela que me diz que eu sou eu, que eu sou diferente de você, e que, quando acordo, sei que sou eu, o que fiz ontem e anteontem, que sou do sexo masculino e que sou psicólogo. Compreender como organizamos nossas informações sensoriais já é uma tarefa gigante; nos defrontar com a pergunta "quem somos nós" é maior ainda.

Volto ao nosso bom e velho senso comum para tentar responder o problema da consciência: ou estamos abordando uma questão complexa demais que pode ser resolvida de forma absurdamente simples, dizendo que é a "alma" que faz o serviço todo, ou então consideramos que estamos diante de um pseudo-problema. Se admitimos que algo chamado "alma" existe, OK, o problema está resolvido, e não pela ciência, mas pela religião. Mas se queremos resolver o problema cientificamente, precisamos de outras explicações que sejam poderosas o suficiente e que possam ser testadas.

Falo que talvez o problema da consciência seja um pseudo-problema porque ele está mal-formulado, e se for assim nenhuma resposta será satisfatória. Talvez a resposta não seja "quem" é a consciência, mas sim que a consciência é uma ilusão, e das melhores. Mas se for uma ilusão... quem somos nós? Não foi identificada uma região que pudesse ser chamada de "a sede da consciência", porque a consciência é composta pela coordenação de diversos processos mentais. Isso quer dizer que é possível modificar e danificar processos que compõem o conjunto chamado consciência, gerando quadros bizarros onde alguém é incapaz de reconhecer a si mesmo num espelho. Portanto, mais do que ser uma região específica do cérebro, ela é o produto do funcionamento simultâneo de diversos processos mentais. E se for assim... quem é você e onde está agora? tem alguém em casa?

4 comentários:

Maria Elisabete Vieira disse...

Do meu ponto de vista, o problema não está na "mente", mas quem sabe... nas perguntas e caminhos apresentados pela ciência moderna
Acredito que a ciência moderna, ainda atrelada a valores do século XIX, o que dificulta ainda mais as coisas, não alcançou o desenvolvimento necessário para responder tais questões referentes à mente. Ou quem sabe ainda, a ciência moderna ainda não está madura o suficiente para compreender a resposta.
Ou, a ciência moderna, não é humilde o suficiente para perceber suas limitações, e ampliar seu leque de opções metodológicas.
O fato é que a fala dos iluministas permeia o mundo da ciência, o qual vive a eterna pressão entre o conhecido (e dominando) e o novo, que além de por em cheque as "verdades", descredencia vários "doutores da ciência".
O fato é que a “guilhotina” ainda ameaça nossas cabeças.

gabi disse...

Acho que é bem mais fácil acreditar que a ciência é uma ilusão do que o "eu" ser a farsa. Porque parece que, por mais absurdo que seja, ele é a única coisa real. Mesmo que uma série de dados seja mostrada ao meu "eu" tentando provar que ele é ilusão, a primeira coisa que ele faz é se defender dizendo que a mentira está no exterior. Acho que essa questão sempre será um grande obstáculo para a ciência...

Vinícius Ferreira disse...

Gostaria de saber primeiramente quais seriam os "fatos" da genética aludidos acima, e porque voltou-se a apelar para um deus como fonte de explicação desses fatos.

Quanto ao outro comentário: não, de fato não podemos dizer que algo não existe porque não conseguimos observar. Mas somente podemos fazer com que seja possível conhecer cientificamente algo através da observação (no sentido lato da palavra, não somente a observação a olho nu, mas por instrumentos, etc. ). Meu argumento não visa descartar a "hipótese deus" simplesmente porque não vejo deus, mas sim porque ela traz mais empecilhos do que avanços na produção do conhecimento. Por exemplo, se é deus o que gerou o universo, das duas uma: ou só conheceremos o universo conhecendo deus, e isso se torna um problema psicológico, porque aqui estaremos falando em algo como "a mente de deus", ou então nos atemos a desvendar o universo por si só, abstraindo deus do processo e ficando só com a sua criação. Mas ao fazer isso tornaremos deus obsoleto, pois apenas nos deteremos em sua criação, e não nele mesmo. Se seguirmos o primeiro caminho, voltamos à teologia. Se usamos o segundo caminho, estaremos colocando nossos esforços na tentativa de solucionar um problema no qual a fonte nunca será, a priori, conhecida. Isso significa que a ciência encontrará finalmente seu limite.

Vinícius Ferreira disse...

Achar mais fácil acreditar que a ciência é uma ilusão geraria a seguinte questão: se é ilusão, ela serve para quê?

Contudo, partindo para outra perspectiva, essa indagação parece ser uma estratégia de auto-defesa. Prefiro dizer que no mundo exterior não existe (ou é uma ilusão) aquilo que está gerando conflito em mim. Prefiro acreditar que o "eu" é real a pensar que o "eu" pode não existir da forma como eu o percebo - pois se eu aceitar essa idéia, eu acabo me tornando uma "coisa" cheia de partes que não é mais o "eu", me torno algo sem identidade, o que é inaceitável. A boa notícia é a seguinte: não é o "eu" que é uma farsa, mas é uma farsa aquilo que gostaríamos de acreditar que o "eu" é. Mesmo porque, se o "eu" é "algo", o que é esse algo? O homenzinho dentro de nossas cabeças?