Pós-graduações IMED 2013

domingo, 1 de agosto de 2010

Por que mudar é difícil?

Uma das coisas mais complexas que existem é a mudança duradoura de comportamento. Observamos todos os dias as pessoas, e nós mesmos, dizendo que tal comportamento não nos faz bem e que vamos mudá-lo. Contudo, nem sempre isso acontece de maneira fácil, nem rápida, e é bastante comum que continuemos, após certo tempo, mantendo o mesmo padrão de comportamento. Uma das causas que parece manter a estabilidade do comportamento é o aumento de ansiedade que essa mudança gera.

Por mais que racionalmente compreendamos que tal mudança será benéfica para nós, existe um empecilho: mudar de comportamento significa, primeiramente, analisar o comportamento atual. Aqui começa o problema, pois ao fazer isso, nos damos conta de que muitas coisas importantes que acreditamos na verdade não existem, e isso aumenta o nível de ansiedade. Durante o processo evolutivo, a redução da ansiedade foi um mecanismo importante que colaborou para a manutenção da vida, porque ansiedade em intensidade elevada e/ou por tempo prolongado causa danos ao organismo. Sempre que temos elevados nossos níveis de ansiedade, disparamos mecanismos que tentam reduzir-la, e um dos primeiros movimentos que ocorrem é a tentativa de remoção do estímulo aversivo. Em outras palavras, se começar a pensar sobre nosso comportamento é algo que aumenta a ansiedade, a forma mais fácil de reduzir esta ansiedade é simplesmente parar de pensar.

Vamos imaginar, por exemplo, uma situação de conflito onde a mudança de comportamento seria benéfica: um filho adulto em conflito com a mãe, cuja fonte de atrito é o desejo por parte da mãe de ter o filho mais perto em termos afetivos contra o desejo do filho em ter mais autonomia. Quando este conflito surge, desperta sentimentos de raiva, ansiedade e desconforto em ambos. Na discussão, cada um demonstrará ter razão, pelo seu ponto de vista (a mãe sente falta do apoio emocional do filho; o filho sente-se pressionado e com sua liberdade ameaçada). Ao fim da briga, ora um cede, ora outro cede: o filho aproxima-se da mãe novamente, em termos afetivos, e a mãe, por sua vez, dá um pouco de espaço para o filho, por algum tempo. Desta forma, a ansiedade é aumentada, num primeiro momento, e depois reduzida a níveis suportáveis para ambos. Entretanto, outras brigas virão, porque a fonte que está provocando a ansiedade não foi tocada.

Mas o que aconteceria se um destes dois protagonistas começasse a pensar na relação que tem com o outro, sobre seus comportamentos, sentimentos e as consequências disso? Vamos supor que a mãe começa a pensar sobre a criação do seu filho, em como se dedicou a ele e como ele está sendo ingrato ao não corresponder aos sentimentos dela. Isso certamente vai despertar os sentimentos de ansiedade, que pode desencadear a briga, pelo pressuposto: "Aproxime-se de mim, me dediquei a você e agora estou me sentindo mal porque não sinto que você corresponde a tudo o que fiz". Se, ao invés de iniciar a briga, a mãe continuasse pensando sobre as causas de seu desconforto e quais as consequências que isso gera para todos, poderia se dar conta que se dedicou de forma intensa para o filho porque, na verdade, estava se sentindo desvalorizada em outras áreas, como por exemplo, na relação com seu companheiro ou com a sua família de origem. É bem provável que esse tipo de pensamento iria gerar muito mais ansiedade, aumentando o sofrimento já experimentado no presente pela briga.

Por parte do filho, se ele também observasse que a ansiedade que está sentindo quando briga com sua mãe está sendo alimentada, muitas vezes, por comportamentos do passado, teria, assim como ela, aumentado o seu nível de ansiedade. Então, ainda gera menos sofrimento toda a ansiedade produzida pela briga atual do que "mexer" nas coisas que aconteceram no passado e que estão alimentando os conflitos do presente: quando a briga termina, a ansiedade baixou, mas ninguém pensou em tocar na fonte dos problemas. Ou se pensou, não foi forte o suficiente a ponto de mudar seu comportamento de forma significativa.

Então, o que dificulta muito a mudança do comportamento não é falta de capacidade de pensar sobre nossos problemas, mas sim uma espécie de "armadilha" emocional que visa a preservação do funcionamento do sistema nervoso - a evitação dos sentimentos de ansiedade. Sempre que pensar sobre algo gera ansiedade, a primeira reação será combater este pensamento. Como isso geralmente dá certo, podemos compreender então porque é tão comum que as pessoas pensem pouco sobre seus próprios comportamentos e tenham tanta dificuldade de mudá-los. Entretanto, pensar sobre o comportamento e efetuar as mudanças, mesmo que doloroso, tende a trazer a longo prazo mais benefícios, pois os conflitos já compreendidos e trabalhados tendem a exigir menos do sistema nervoso, disparando menos os mecanismos de ansiedade e aumentando a qualidade de vida.

7 comentários:

Marcia Fortes Wagner disse...

Realmente, essas armadilhas ocorrem nos comportamentos das pessoas. Segundo a abordagem cognitiva, formam as estratégias compensatórias que o indivíduo utiliza para evitar a ansiedade e, consequentemente, o sofrimento. São utilizadas como uma forma equivocada de manter o equilíbrio e evitar as situações estressantes, mas na realidade são reforçadoras e mantenedoras do problema. Essas são as armadilhas e ambivalências do comportamento humano! E a identificação, correção e resolução pode se dar via processo psicoterápico.

Anelise Rech disse...

Vini! Muito bom o seu post! Um abraço!

Anônimo disse...

Muito bom...

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Professor, um vídeo sobre reforços, muito interesante:

http://www.youtube.com/watch?v=u6XAPnuFjJc&feature=player_embedded#!

E da mesma produção, um vídeo crítico ao Pensamento Positivo, os dois em inglês:

http://www.youtube.com/watch?v=u5um8QWWRvo&feature=channel

Daniel F. Gontijo disse...

Honestamente não sei se as pessoas conseguiriam, sem a ajuda de um profissional, ter naturalmente insights reveladores sobre as raízes de seus problemas. Talvez não seja sobretudo por evitar pensar em coisas ansiogênicas que as pessoas não o façam. Aprimorar o autoconhecimento pode trazer ansiedade, mas também dá muito trabalho e, de certa forma, exige tipos sistemáticos de raciocínio que talvez não aflorem espontaneamente (como, no caso do método comportamental, fazer análises funcionais). Ademais, não basta apenas SABER para que cognições/comportamentos sejam modificados. Há, como você deve saber, todo um árduo trabalho visando desfazer e refazer crenças/comportamentos disfuncionais.

No mais, ótimo texto.

Um abraço.

André Luiz disse...

Muito interessante o texto! Consigo perceber a explicação baseada na angústia claramente em algumas situações, mas será que a variável "preguiça" também não ajudaria a explicar algo? hehe brincadeira. Muito legal seu texto, parabéns!
um abraço,
André

Vinícius Ferreira disse...

Olá André Luiz,

A preguiça explica. Quando o problema pelo qual passamos pode ser amenizado de alguma forma, já o consideramos parcialmente resolvido, e assim julgamos que não é necessário ir mais adiante e fazer uma alteração significativa na situação. Assim surge a preguiça... e tudo permanece praticamente na mesma.

Obrigado pela visita ao blog e pelo comentário. Abraço.

Unknown disse...

Permita-me te tratqar com certa intimidade.

Cara, muito bom teu blog. No geral. Descobri hoje e estou me sentindo uma criança em loja grátis de doces. Sabe, esses teus posts são muito coerentes com o que venho pensando nos últimos tempos.

A intimidade vem apenas porque no momento que leio tuas linhas me sinto identificado (não é efeito Forer! ;-).

Enfim, parabéns!