Pós-graduações IMED 2013

domingo, 1 de março de 2009

A simplicidade do criacionismo

É interessante observar como o pensamento científico parece, talvez na maior parte das vezes, ir na contramão do raciocínio humano. Um exemplo disso é o fato de que é a Terra que gira em torno do Sol, e não o contrário. Bem, nossos sentidos nos dizem que é o Sol que gira em torno da Terra, afinal, estamos "parados", e fica difícil de imaginar que o que ocorre na verdade seja o contrário. Isso foi uma verdade por muito tempo, e foi a duras penas que o geocentrismo caiu.

O processo evolutivo dotou nosso cérebro com habilidades paradoxais: ao mesmo tempo que somos curiosos, parecemos preferir as respostas mais simples, mesmo que sejam imprecisas, porque isso gera menos ansiedade. Quando alguém está passando por algum problema, geralmente pensa: "O que fiz de errado para estar sofrendo assim?", e como tentativa de responder a essa questão, lança mão de uma resposta única: "Estou mal porque fiz isso", ou "É por culpa de Fulano". Uma resposta, mesmo que não tão precisa, reduz a ansiedade que certamente surge quando temos que lidar com várias alternativas, e corremos o risco de escolher a solução errada. E ansiedade excessiva reduz as chances de sobrevivência.

O criacionismo faz isso. Com a intenção de querer explicar a complexidade da vida e do universo, acaba "jogando" para a suposta existência de um ser superior a explicação, simples, de que este ser criou tudo. Esse mecanismo gera tranquilidade, mas no fim não explica muita coisa. Além disso, tem o inconveniente de "misturar" aspectos científicos com a dimensão moral. Em vez de clarear a discussão, este tipo de vínculo, realizado desta forma, torna o problema mais espinhoso, porque toca na nossa necessidade primata de amparo (vide A necessidade da fé).

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O que é a ciência, afinal?

*Este artigo foi publicado no jornal O Rodinho, da IMED. Aqui reproduzo na íntegra o texto, que pode ser conferido também aqui.

Amigos, é com muita alegria que aceitei o convite d'O Rodinho para escrever uma coluna. E como não poderia deixar de ser, vou escrever sobre um tema que acho bem importante e ao mesmo tempo pouco conhecido: o que é a ciência.

O título desse artigo foi tomado emprestado de um livro escrito por Alan Chalmers, pela editora Brasiliense. Neste livro, o autor tenta responder a esta tão importante pergunta de uma forma clara e divertida, afinal a ciência não é uma coisa "chata", só para os iniciados; ao menos, não precisa ser desta forma. E essa é uma das primeiras visões que a gente tem da ciência, que ela é algo obscuro, cheia de fórmulas complicadas e incompreensíveis. É claro que a ciência tem uma linguagem própria, porque se ela busca compreender o mundo de uma forma mais clara e precisa, deve desenvolver mecanismos que possam atingir estes objetivos. Então não são todas as pessoas que compreendem a ciência, pois muitos não tem interesse em conhecer esta linguagem ou então, o que é pior, tiveram uma péssima primeira impressão da ciência, e querem estar longe dela.

Escrevi recentemente um artigo onde eu comparava a curiosidade da criança à do cientista. Os dois têm isso em comum, mas é claro que a curiosidade do cientista é mais refinada, porque para que ele possa responder as perguntas propostas, as questões não podem ser feitas de qualquer maneira. Também o cientista utiliza-se de um método específico para a ciência, que é chamado de método científico. Além de ser uma disciplina que ensina o aluno a "como fazer trabalhos acadêmicos", a metodologia científica se propõe a organizar as possibilidades de produção do conhecimento, para que aquilo que é investigado possa ser mais claro para os colegas cientistas. Mesmo porque o conhecimento científico é diferente do conhecimento da vida real (o senso comum), do conhecimento filosófico e do conhecimento religioso. A ciência busca ser clara em suas respostas, como dissemos, pois é essa clareza que permite que ela possa ser um conhecimento mais preciso.

Para esta precisão, as ciências utilizam via de regra a linguagem matemática, e aqui está uma coisa que faz com que os estudiosos das ciências humanas se arrepiem. Geralmente os pesquisadores das ciências humanas não gostam da linguagem matemática por várias razões: ora porque entendem que a matemática não pode explicar tudo, ora porque não tiveram treinamento para compreender o que significa uma informação matemática, ora porque não gostam mesmo de matemática. Muitas vezes essa crítica vira repulsa, que pode ser uma repulsa injustificada. Pode-se criar "pré-conceitos" contra a matematização das ciências sem uma base coerente para discutir esse comportamento.

Uma das críticas a isso é que a linguagem matemática seria "infalível e precisa". Não é isso o que acontece. Uma das ferramentas mais utilizadas nas pesquisas em ciências humanas é a estatística, e ela não lida com a precisão, lida com probabilidades. Ou seja, ela não diz: "As pessoas que perderam alguém importante fatalmente terão depressão", mas sim "É mais provável que alguém que tenha perdido alguém importante tenha depressão". Qual a diferença? toda. Pois no primeiro caso se está assinando uma sentença, enquanto que no segundo a informação dá uma condição de alta probabilidade, mas não de certeza. Portanto, atenção quando você ler uma pesquisa: ela não é definitiva. Pois se a pesquisa fosse definitiva, não haveria avanço no conhecimento científico (é por isso que a ciência vai se aprimorando, porque ela revê seus conceitos e conhecimentos).

Deveríamos ter o primeiro contato mais sólido com a ciência no ensino médio, mas também não é isso o que vemos como regra. Questionando as várias turmas com as quais dou aula, sempre tenho o costume de perguntar: "Vocês tiveram aulas em laboratório de química, física e biologia no ensino médio?" Cerca de 85 a 90 por cento dizem que não tiveram; e os poucos felizardos que tiveram, me dizem que foram uma ou duas vezes nos três anos, e ficaram assistindo, ou seja, não realizaram um experimento do início ao fim. Então, pergunto: como desejar que a ciência brasileira se destaque no mundo? Temos, sem dúvida, ótimos cientistas, mas estes são verdadeiros heróis, pois tudo foi contra sua vocação. Então, acaba que o primeiro contato com a ciência ocorre no ensino superior...

Acho muito importante que os alunos do ensino superior discutam e, principalmente, conheçam a ciência. É possível que este seja o último momento onde terão a possibilidade de discutir esse tema, pois depois que se formarem (exceção aos que quiserem a carreira acadêmica), provavelmente não terão mais esta oportunidade. Então, sejam críticos, perguntem aos seus professores qual é a base dos seus conhecimentos, e como este conhecimento foi produzido, pois tão importante quanto uma boa bagagem de conhecimentos técnicos, é fundamental ter um espírito crítico. E isso a ciência tem de sobra.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Camaleônidas



Grande Ser, agradecemos por este período bom. Somos criados à tua imagem e semelhança, embora pequenos e camaleões, porque és benevolente. Que teus olhos independentes olhem sempre por nós. Que possamos nos aproximar da tua infinita e perfeita capacidade de se adaptar ao ambiente, mesmo sem compreender exatamente como isso ocorre. Que todos os camaleões possam agir como se tivessem nascido da mesma ninhada, e que sejam cada vez mais camaleônicos e sensíveis, e tenha misericórdia daqueles seres que não nasceram com a perfeita capacidade de mudar de cor.

Reconhecemos que, embora pequenos, nos fizeste melhores que os outros seres porque podemos mudar de cor, e por isso utilizamos esta capacidade para lhe amar sempre mais e mais, e é por isso que tu nos ama. Foi tua infinita bondade que nos deu o mimetismo, que nos coloca acima das outras criaturas, porque este é o supremo dom da criação, e que possamos usá-lo para mostrar aos outros camaleões que tu criaste o universo e tudo o que nele há somente para que possamos nos adaptar a ele.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A necessidade da fé

Alguns estudos em psicologia evolucionista têm apontado que a fé em algo transcendente foi um elemento que ajudou a gerar vantagens evolutivas e, por conseqüência, refinar a complexidade da cultura humana. E isso tem razão de ser se considerarmos as necessidades básicas dos seres humanos, sendo uma delas a necessidade de amparo.

Biologicamente, os seres humanos possuem uma fragilidade constitucional desde a infância, de forma que necessitam receber investimentos de várias espécies: tempo, energia, alimento e afeto. Ou seja, nossa espécie depende primordialmente de outros que possuem habilidades que os membros imaturos não têm. Receber o amparo de um adulto que possui um "poder" dá tranqüilidade e reduz os efeitos do estresse sobre o organismo.

Entretanto, os adultos também possuem uma cota de desamparo, vinda de situações que não são previstas, como mudanças climáticas, doenças e o ataque de outros grupos humanos. Mas quem os iria socorrer? Já são adultos, sendo teoricamente poderosos. Neste momento, os mecanismos de desamparo são ativados, e surge um terreno fértil para o aparecimento dos seres superiores, mais poderosos que os adultos. Se as crianças buscam no adulto o amparo que falta, estes buscam em forças não visíveis os meios para superar as dificuldades.

Agregar na cultura nascente um agente sobrenatural poderoso dá força à comunidade. Mais força ainda tem o agrupamento que se auto-perceber como "escolhido" por essa força superior para ir adiante, sendo seus filhos prediletos em detrimento dos demais seres. Mas este desamparo constitucional, mesmo que baseado em necessidades não racionais, deve continuar sendo preenchido pela crença em algo invisível? Ou poderia a humanidade buscar bases mais racionais e objetivas para preencher esta lacuna?

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A ponte frágil

A física é considerada por grande parte dos cientistas como a ciência magna. Seus postulados são considerados como a pedra fundamental do conhecimento do mundo, e várias ciências importam esses saberes para compreender melhor seus objetos específicos de estudo.

Com as ciências humanas, ocorre situação semelhante. Pode-se observar que muitos conceitos da física são transpostos para o estudo do comportamento, da sociedade, da economia, mas é relevante nos questionarmos sobre como é feita esta transposição. Entendemos haver certa inconsistência neste movimento, pois há alguns problemas que nem sempre são adequadamente considerados.

O primeiro deles é a carência de conhecimento dos postulados da física por cientistas humanos. Via de regra, o cientista humano é especialista em determinada área do saber, sendo conhecedor desta com maior ou menor profundidade (e não podia ser de outra forma). Entretanto, como especialista nas ciências humanas, é importante considerar se possui os conhecimentos básicos de física que são necessários para realizar a transposição das idéias deste campo para o campo humano. Se ponderarmos que muito do conhecimento científico do cientista humano está vinculado ao conhecimento obtido no ensino médio ou de leituras de segunda mão da física, esse problema assume relevância.

Segundo, a diferença do objeto investigado exige que a transposição de conhecimentos seja realizada com prudência. Se na física quântica o objeto investigado é a partícula, nas ciências humanas não é. Portanto, pode-se pensar que o raciocínio pode ser forçado ao se querer aplicar as mesmas explicações que servem bem para um fóton para outro contexto e objeto, que é o comportamento humano.

Terceiro, os comportamentos humanos são efetuados por pessoas que são compostas de matéria, mas que não estão diretamente sujeitas aos fenômenos da física quântica. Ludwig Boltzmann (1844-1906) já asseverou em seus estudos de termodinâmica que a matéria se comporta de acordo com a estatística: as propriedades que vemos (extensão, volume, etc.) dependem da grande quantidade de moléculas que estão unidas e se comportam em conjunto. Não se pode considerar que a física do nosso dia-a-dia seja a mesma que a física quântica, porque não é; mas isso não significa que ela é melhor. Só é diferente.

Finalmente, muitos cientistas humanos parecem afirmar que a física quântica se aplicaria melhor do que a física clássica para explicar o comportamento. A física clássica é determinista e impessoal, enquanto que a quântica afirma que o observador interfere no fenômeno. Sim, isto ocorre. Mas podemos utilizar um princípio de semelhança como explicação? é legítimo afirmar que só porque um fenômeno ocorre no muito pequeno assim como ocorre no grande que tudo o mais também passa a valer? Só porque duas coisas são parecidas não quer dizer que estejam relacionadas ou que sejam explicadas pelo mesmo princípio. Além disso, a física, mesmo a quântica, não abre mão da tentativa de prever o comportamento das partículas, ou seja, ela possui um caráter de previsão, ao contrário do que os cientistas humanos gostam de afirmar (não é possível prever o comportamento).

Por óbvio que os conhecimentos produzidos nas demais ciências podem servir como inspiração para a pesquisa em outras áreas. Só não se pode assumir levianamente o que não se conhece, pois desta forma não se estará fazendo ciência de forma séria.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O mundo newtoniano

Issac Newton (1643-1727) foi, certamente, um dos maiores cientistas de todos os tempos. Imerso numa época onde o pensamento aristotélico dominava a cena do conhecimento, propôs com sua genialidade uma visão revolucionária de mundo. Graças a ele se materializou na ciência o dito "Assim na Terra como no Céu", porque antes disso havia uma separação entre o mundo terreno, pecaminoso e imperfeito, e a esfera celeste supralunar, perfeita e divina, a morada das estrelas. Essa unificação permitiu uma visão harmoniosa do universo e alavancou o nascimento da ciência moderna.

Contudo, graças ao progresso científico e à colocação de novas questões originadas pela eletricidade e pela termodinâmica, no século XX o cenário científico modificou-se substancialmente. Uma nova física fez-se necessária para preencher lacunas deixadas pelos conhecimentos produzidos por Newton; paradoxalmente, esses conhecimentos exigiram ferramentas novas, mas trouxe a necessidade de uma revisão profunda no sistema de mundo newtoniano.

Os postulados da nova física fogem ao senso comum, propondo coisas como a impossibilidade de ver a matéria dissociada da energia: estes são dois estados que dizem respeito ao mesmo fenômeno. Descobertas como essa estimularam os pesquisadores das ciências humanas a importar estes princípios para a psicologia e a sociologia, por exemplo. Conceitos como entropia e complexidade hoje permeiam o discurso de vários pensadores, mas pode-se questionar se estes conceitos são adequadamente compreendidos e aplicados, pois mesmo na física há dificuldade para entendê-los.

O que pode agregar como conhecimento nas ciências humanas conceitos como a dualidade e a complexidade? Tem-se a impressão que os cientistas humanos preferiram superar a linguagem e os termos newtonianos para abraçar fortemente os novos conceitos da física, como que dizendo que os antigos conceitos foram totalmente ultrapassados, e termos como "complexidade" explicam melhor os fenômenos humanos do que os antigos termos da física. Mas cuidado: mesmo os físicos dizem que, para fenômenos ordinários e de baixa velocidade, a física newtoniana funciona, afinal, continuamos caindo mesmo que questionemos o que é a gravidade...

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A seleção do comportamento (III)

Todos os seres humanos possuem um repertório comportamental que é constituído como misto das experiências vivenciadas sobre uma base biológica. Um ponto crucial para o entendimento do comportamento humano é a compreensão de como a experiência é inscrita na biologia; essa é uma das chaves para os comportamentos normais e patológicos.

Analisando acuradamente o comportamento, podemos observar que a infância é uma das mais importantes etapas no estabelecimento da estrutura de comportamento de uma pessoa. Isso ocorre porque o sistema nervoso está susceptível para o recebimento de registros, especialmente emocionais, que balizarão o comportamento futuro, em direção à patologia ou à funcionalidade. Portanto, as relações da infância, especialmente as familiares, são fundamentais na consolidação destes registros.

Contudo, esses registros não são efetuados de forma intencional. Os mecanismos evolutivos parecem ter favorecido a reprodução inconsciente dos registros emocionais, posteriormente passíveis de serem modificados de forma consciente. Isso proporciona uma economia: se há um mecanismo padronizado (instintual) de registro de emoções relevantes, os processos de memória ao mesmo tempo são poupados, e posteriormente também orientam o sistema comportamental em direção ao que o sistema social e a família já selecionaram como relevante para a sobrevivência.

A vida adulta é orientada de forma não-consciente por estes registros, efetuados em regiões mais primitivas do cérebro. Isso explica em parte porque é difícil entendermos o nosso próprio comportamento, e é mais fácil compreender o comportamento alheio. Essa "cegueira" comportamental é, também, um efeito colateral destes registros inconscientes, visto que o acesso aos eventos mais precoces é restrito, mas com certeza nos influenciarão para o resto da vida.