Pós-graduações IMED 2013

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Corpo e mente

Quando olhamos o mundo no topo de uma montanha, temos a sensação de que a Terra é plana. Da mesma forma, no nosso dia a dia, no máximo percebemos ondulações como morros ou eventualmente montanhas, mas continuamos com a sensação de que o terreno onde pisamos deve ser plano. Mas se perguntarmos para qualquer pessoa qual é o formato do planeta, ela dirá que é redondo. Por que isso? Afinal, é uma contradição à nossa percepção considerar que o chão que está abaixo de nós é a superfície de uma esfera, que é o próprio planeta, mas mesmo assim sabemos que essa resposta é correta embora não seja o que vemos todos os nossos dias.

Os seres humanos percebem o mundo e as pessoas de uma determinada forma, e nos tranqüiliza pensar que o que vemos é a “realidade”. Mas não nos damos conta de que o que sabemos sobre o mundo na verdade aprendemos de outras pessoas, em muitos casos. Por exemplo, quando somos crianças e perguntamos para nossos pais de onde viemos, nem sempre obtemos uma resposta satisfatória porque a pergunta é embaraçosa, na maioria das vezes. Mas mesmo não tendo a resposta certa para essa pergunta, acabamos aprendendo uma lição importante: falar sobre a origem da vida é um assunto proibido... e assim permanece por muito tempo. Acreditamos também que a linguagem que temos é fiel ao que observamos, e que as pessoas nos dizem exatamente o que estão pensando, e que entendemos exatamente o que estamos ouvindo.

Isso acontece porque, como nossa percepção, a linguagem nem sempre é clara, e pode ser perfeitamente distorcida como a crença de que vivemos num mundo plano. Outro exemplo desta ilusão é a separação entre corpo e mente. É praticamente unânime a percepção que temos de que o corpo é algo real, concreto, manipulável, e a mente é algo imaterial, invisível e impalpável, embora nossas percepções do dia-a-dia nos mostrem que é assim mesmo (afinal, alguém já viu um pensamento por aí?). Mas existe mente sem corpo? Se nos basearmos nos conhecimentos científicos, a resposta é negativa. Pode haver corpos que não tenham mente, mas não pode haver mentes sem corpos. Portanto, a mente depende do corpo para existir, e faz parte do corpo.

A neurologia tem demonstrado que lesões no cérebro provocam alterações no comportamento. Isso pode ser observado no caso de acidentes com dano cerebral, que podem produzir dificuldades de raciocínio ou aumento da irritabilidade, chegando mesmo a modificações duradouras na personalidade. Mas é interessante observar que, apesar dos conhecimentos científicos, nosso pensamento comum separa de forma marcante a mente e o corpo, como se fossem duas coisas pertencentes a mundos distantes. Se mente e corpo fossem mesmo diferentes, e se a mente fosse imaterial, como ela faria para influenciar o nosso corpo?

quinta-feira, 28 de junho de 2007

O pensamento empreendedor no ensino superior

*Este texto foge um pouco à proposta do blog (psicologia científica) pois refere-se a outro tema de reflexão: o papel do professor no ensino superior. Julguei interessante postar estes pensamentos aqui porque essas discussões devem ser colocadas, pois dizem respeito diretamente à qualidade dos profissionais que teremos no futuro.

Pensar a educação superior de uma forma estratégica é um desafio e exige uma mudança de mentalidade. Tradicionalmente a universidade é considerada ainda por muitos setores, e também por ela mesma em grande medida, como uma agência elitista, dissociada das necessidades fundamentais da sociedade, e cientificista, ou seja, mais preocupada com o conhecimento em si do que propriamente a aplicação deste conhecimento na sociedade.

Este cenário tem raízes históricas, visto que a universidade sempre foi direcionada para as elites; podemos dizer que ela também teve por objetivo a educação para a conquista e o domínio de uns sobre outros. Era desejável portanto que houvesse uma dissociação profunda entre os que dominam pelo saber e os que são explorados e dominados. Desta forma, a tendência da dinâmica universitária era a manutenção do status quo de uma instituição ao mesmo tempo ligada mas separada da sociedade, porque isto de certa forma mantinha o poder do conhecimento aos que já o possuem.Este cenário poderia ter-se mantido indefinidamente num nível confortável de estabilidade não fosse um fenômeno do capitalismo: a concorrência. O surgimento a partir dos anos 90 de novas ofertas de cursos de graduação, em diversas modalidades que não só a presencial, fez com que no Brasil muito mais pessoas tivessem a oportunidade para ingressar nas faculdades e ter uma profissão.

Obviamente esse aumento de oferta não significou um aumento de qualidade. Muitas vezes o efeito observado foi o oposto: muitos cursos, pensando na sustentabilidade financeira, se preocupam com o oferecimento de um custo baixo de mensalidade para a captação dos alunos, mas, por isso mesmo, acabam por oferecer um panorama pessimista: empregam professores com menor titulação e conhecimento, sobrecarregam-nos com muitas aulas e escasseiam oportunidades de extensão e pesquisa. A extensão usualmente existe apenas como o oferecimento de atendimento às necessidades do público como estágio obrigatório. E no caso da pesquisa, quando existe – porque não é obrigatória para faculdades e centros de ensino – é extremamente fragmentada, baseada na curiosidade do pesquisador mais do que numa análise madura das necessidades sociais, de curto prazo em vista dos financiamentos governamentais ou institucionais, e cujos resultados principais visam fundamentalmente a confecção de relatórios, eventuais participações em congressos, exíguas publicações e raríssimas aplicações para a mudança social efetiva.

Portanto, podemos resumir que o ensino superior está dissociado em larga medida das demandas sociais, que a oferta de serviços e produtos para a sociedade mediante ações de extensão ainda são escassas e a produção científica está mais distante ainda dos problemas da realidade. É paradoxal que agentes pensantes de uma sociedade parecem estar ainda insensíveis a este cenário, pois se já estivessem, certamente muito mais ações teriam sido realizadas no sentido de aproximar os construtores do ensino superior das necessidades das pessoas.

Se há razões históricas para o panorama exposto acima, pensamos que também há fatores psicológicos importantes que o sustenta. A estrutura de uma instituição é, ao mesmo tempo, resultado daqueles que a fazem, tanto quanto ela (instituição) é capaz de modificar a forma de pensamento dos que nela ingressam. Uma instituição, como resultado de intenções e práticas humanas, é o produto dos objetivos desejados por um conjunto de pessoas que a constrói. Mas depois de construída, a instituição parece ser dotada de uma “vida própria”, ela é animizada: passa a gerar, naqueles que ingressam, uma série de comportamentos e representações, pois é necessário um processo de acomodação entre a estrutura e seus novos integrantes.

Como saber como agir numa instituição? Duas podem ser as fontes para esta resposta: aquilo que fazem as pessoas que já estão lá, e a representação criada pela sociedade de como uma determinada classe de pessoas deve se comportar. Os pares são agentes importantes de controle do comportamento numa instituição, pois transmitem e perpetuam a “tradição” mais do que as regras explícitas de conduta; as regras não-verbais sobre o que pode e o que não pode ser feito numa instituição são tão mais poderosas quanto não são explicitadas no próprio sistema, e contribuem para a formação da representação social desta profissão. De outro lado, a representação criada pela sociedade para determinadas classes de profissões também é um agente poderoso sobre como as pessoas deveriam se comportar dentro e fora das instituições, realimentando as regras explícitas e implícitas de conduta efetuada pelos pares.

Como instituição tradicional, o ensino superior gerou certo status para o professor. Visto como alguém “que sabe”, via de regra passa a ser uma espécie de ser dotado de uma aura de conhecimento que é relativamente intocável. Esta parece ser uma representação que permeia o imaginário social, e nos perguntamos até que ponto não permeia ainda a auto-imagem do profissional. Se esta representação estava perfeitamente adequada ao “catedrático”, está obsoleta em vista dos novos desafios do cenário acadêmico. Por exemplo, espera-se hoje de um professor de ensino superior que ele seja inteligente, com boa capacidade crítica para analisar situações, com conhecimentos satisfatórios para passar para os futuros colegas de profissão, em contínuo processo de revisão de seus conhecimentos, que seja capaz de construir em sala de aula uma relação minimamente satisfatória com os alunos e, principalmente, que tenha uma mentalidade empreendedora.

É senso comum para o professor o debate destes elementos, mas, em nossa opinião, há uma escassa reflexão sobre o último item. Partimos do pressuposto de que o professor ainda mantém resquícios do antigo “catedrático”. E mesmo que não se mantenham esses resquícios, mesmo que o profissional já se perceba livre dessa imagem fossilizada, ainda parece haver receio de se perceber como um empreendedor de sua própria carreira. Pensar nisso parece para muitos uma heresia. Talvez possamos identificar uma etapa de transição de paradigmas no sentido kuhniano: já não serve mais um “esquema” antigo, mas o novo ainda não é bem compreendido.

O que se quer dizer por mentalidade empreendedora e qual sua relação com o novo papel do professor do ensino superior? Entendemos que deve haver uma integração entre as intenções do professor e o planejamento de sua carreira e as da IES de forma que ambos os lados sejam favorecidos com os esforços mútuos. É parcial concluir que o professor trabalha muito e é parcamente reconhecido pela instituição, ou que a instituição “explora” o trabalho do professor. Pensar desta forma parece reduzir o problema a um sistema opressor-oprimido, o qual, em nossa visão, parece não ser um modelo satisfatório de análise da situação. Ter uma mentalidade empreendedora é poder perceber oportunidades de crescimento, pessoal e institucional. É reconhecer que a sociedade tem necessidades, e que as IES através de seus professores têm condições plenas de responder a elas. Portanto, acreditamos que mais do que pomo de discórdia, a nova visão de professor pode ser considerada por um prisma favorável: é a oportunidade de que a sociedade, as IES e o professor possuem de realmente fazer uma diferença.

Tememos que o pensamento “acadêmico” no sentido pejorativo esteja muitas vezes embotando o raciocínio do professor. Muitas vezes críticos ao pensamento capitalista, ou simplesmente por desejar uma vida “tranqüila” (resquício do catedrático?), professores parecem pensar que “mentalidade empreendedora” significa aceder à concorrência selvagem entre as IES e a um sistema perverso; significa, em última análise, sucumbir. Mas outra leitura pode ser feita. O dinamismo dos desafios de hoje exige um novo pensar e um novo agir, principalmente um novo agir. Planejar e pensar a carreira são novos desafios para o professor do ensino superior, visto que historicamente isto nunca havia sido necessário. Pensar na articulação de suas ambições profissionais com as ambições da instituição é fundamental hoje, e pensamos que pode e deve ser feito em conjunto com a proposta institucional e com as necessidades sociais.

Pensar o trabalho do professor de uma forma empreendedora não significa considerar a educação um produto. Educação, pesquisa e extensão são serviços, e como tais, devem ser prestados com a melhor qualidade possível. Defendemos que a mentalidade empreendedora deve ser estimulada no professor, de forma que ele se torne um agente de modificações sociais tanto quanto esteja preocupado com sua carreira, mas isso não significa vulgarizar a função das IES. Significa capacitá-lo com os recursos essenciais para que possa ser, efetivamente, agente de modificação da sociedade.

Pensar estrategicamente o ensino superior, portanto, significa a necessidade de uma mudança de mentalidade no agente estratégico, que nesse caso é o próprio professor. Significa reconhecer as necessidades sociais, mas não só isso: significa ir atrás daquilo que a sociedade necessita de forma fundamental. Essa é a mudança fundamental de paradigma, pois significa ver o mundo acadêmico com outros olhos, com os olhos da oportunidade de crescimento profissional. Significa um desacomodar-se dos velhos hábitos, das velhas lamentações, dos velhos preconceitos, da velha universidade. Significa uma chance real de mudar.

Psicologia e ciência (Ou: Como pode-se não gostar da ciência sendo psicólogo)

Muitos colegas psicólogos parecem ter certa aversão ao pensamento científico na psicologia. Isso é mais prejudicial do que benéfico, pois gera limitações nas possibilidades que temos para analisar o comportamento humano. E abaixo aponto alguns elementos que merecem uma atenção especial por parte dos psicólogos, estudantes e professores de psicologia.

1. Não vejo a psicologia científica como uma forma de desumanização. Muitos colegas psicólogos criticam o pensamento científico e descambam para áreas "alternativas" porque dizem que a ciência é desumana (e os conhecimentos alternativos seriam, portanto, mais humanos). Lastimo isso. Cria uma imagem de que a ciência não pode ser humana por ser racional. Mas é importante separar o conhecimento do uso que se faz dele. Esse sim pode ser desumano.

2. Ciência e psicologia são compatíveis. Mesmo que muitos psicólogos não pensem isso, acredito que é possível, sim, aliar a racionalidade científica com áreas como a subjetividade, sem fazer com que o ser humano seja menos humano, como dito acima. E isso também não significa dizer que as experiências subjetivas e os sentimentos não são importantes, que são secundários, etc. Apenas defendo que é possível um entendimento racional das emoções, tanto quanto do pensamento.

3. A aversão à quantificação na psicologia é uma consequência da visão preconceituosa de ciência. A quantificação é importante na psicologia. Os números são a linguagem que a ciência utiliza para comparar informações, pois os números são objetivos e possíveis de manipulação. A transformação das informações sobre o comportamento em números significa um esforço para compreender frequências, relações, comparar elementos (variáveis), dentre outras possibilidades. Muitos psicólogos são avessos aos números que traduzem comportamentos porque poderiam impedir a visão do "fenômeno em si mesmo", que é a pessoa agindo, e isso também seria desumanizar, coisificar. Mas transformar informações sobre o comportamento em números não significa isso: significa que é possível utilizar uma ferramenta importante, e isso pode de fato auxiliar muitas pessoas.

Infelizmente um dos elementos que perpetua esse panorama é a deficiência, encontrada muitas vezes, na própria formação da graduação. E é comum, infelizmente, relacionar essa deficiência com uma escassez da pesquisa dos próprios professores. Só é possível falar com propriedade de pesquisa quando o próprio professor é pesquisador. E se o professor não é pesquisador, não passa para o aluno o gosto pela pesquisa. Nem o gosto pela ciência.