Pós-graduações IMED 2013

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A inteligência e a evolução

É impressionante ver como a inteligência é um tópico que motivou pesquisas na psicologia. Pode-se dizer que desde sempre a humanidade identificou diferentes potenciais para o processamento de informações e a resolução de problemas; contudo, foram nos séculos XIX e XX que o tópico ganhou velocidade, graças ao nascimento da psicologia como ciência e da criação e aplicação de métodos quantitativos na pesquisa. Apesar disso, a inteligência ainda é um tópico muito controverso, que suscita algumas reflexões.

Em primeiro lugar, cabe definir o que é inteligência, e aqui os problemas mais ásperos começam. É fácil montar um teste "de inteligência", aplicar e corrigir, mas é difícil argumentar que aquilo que os resultados mostram é de fato algo chamado inteligência. Qualquer pessoa tem condições, consultando a literatura psicológica, de constatar que não existe uma definição sequer consensual. Uns definem como a capacidade de resolver problemas matemáticos; outros, problemas linguísticos, outros, para a utilização de ferramentas. Há pesquisadores que construíram hierarquias para estudar a inteligência, colocando alguns fatores como prioridade sobre outros. Desta forma, com esta profusão de modelos, fica difícil pensar em uma teoria geral da inteligência, mesmo porque "geral" é um termo que também precisaria ser definido com mais clareza.

Em segundo lugar, o que os testes medem? Habilidades. Quando montamos um teste psicológico, ele serve como ferramenta para averiguar o desempenho que uma pessoa tem sobre um conjunto de problemas. Se o teste visa identificar quanto tempo uma pessoa demora para montar um quebra-cabeças, esse teste pode ser chamado de teste motor; se diz respeito a responder preenchendo lacunas com as palavras adequadas, pode ser de lógica ou de linguagem. Mas mesmo que um teste mensurasse um número incrível de habilidades, mesmo assim ele mensuraria a inteligência?

Então, é perda de tempo estudar a inteligência? Não. O que talvez seja necessário fazer é uma revisão de definições. Estamos tão acostumados com termos como inteligência e personalidade, que fazem parte do nosso dia a dia, que temos dificuldade em definir o que eles realmente são. Talvez sejam termos que expliquem muito pouca coisa, ou mais tragam confusão do que clareza.

A evolução fez surgir em nossa espécie uma capacidade para solução de problemas, o que para muitos pode ser definido como inteligência. Mas a evolução nunca teve como propósito a construção da inteligência; ela aconteceu através das pressões seletivas ocorridas. Foram estas pressões, ao longo da existência dos nossos antepassados humanos e não-humanos, que nos dotaram com um conjunto de habilidades neurológicas que permitiram resolver diversos problemas relacionados com a sobrevivência: busca de alimento, proteção e reprodução. Assim, se definimos inteligência como o conjunto de habilidades para resolver problemas e compreender o mundo, podemos concluir que, na verdade, inteligência é um termo bastante genérico, e seu poder explicativo é artificial. E quanto mais genérico for um termo, mais impotentes serão nossos esforços para tentar defini-lo e estudá-lo com clareza. Isso explicaria, em parte, porque a "inteligência" é ainda um tema tão controverso.

domingo, 1 de novembro de 2009

Limites dos testes psicológicos

Uma das principais áreas de investimento e estudos da psicologia é a da testagem psicológica. Existem no mundo centenas de milhares de testes, que avaliam várias características e habilidades, tais como memória, atenção, raciocínio lógico e aspectos afetivos. Entretanto, apesar de serem ferramentas importantes, os testes psicológicos não são instrumentos inquestionáveis, por várias razões.


Em primeiro lugar, um teste está baseado em uma teoria. Se o objetivo é mensurar a capacidade para recordar informações, é necessário que exista uma teoria sobre como a memória funciona para depois podermos avaliar suas propriedades, e assim por diante para as demais funções mentais. Entretanto, a psicologia dispõe de inúmeras teorias sobre as funções mentais e o comportamento humano. Se cada uma destas teorias propuser a construção de testes para avaliar o comportamento, teremos no fim um número significativo de testes. O problema está em que, quando um teste é construído a partir de uma teoria, fica bastante difícil que um profissional orientado por outra teoria possa utilizar estes dados, pois a explicação sobre o que está sendo estudado é via de regra bastante diferente. Portanto, cada teoria psicológica pode ter reforçada sua posição como uma "ilha", relativamente isolada no oceano do estudo do comportamento.


Outra questão, agora intra-teórica, consiste no problema da interpretação do teste. Uma boa interpretação só terá sentido se for feita dentro da teoria onde o teste foi construído, como já mencionamos acima. Isso pode se constituir eventualmente numa fragilidade, pois são muito variáveis as possibilidades de interpretação, e é quase regra que, dentro de uma mesma teoria, haja muitas vertentes e modelos (a psicanálise é o caso clássico). Portanto, mesmo que um teste seja construído por um referencial teórico, as variações intra-teoria devem ser consideradas na interpretação.


Cada teste possui uma metodologia de construção. Os testes projetivos visam avaliar características subjetivas dos avaliados, tais como dinâmicas intrapsíquicas e mecanismos de defesa. Os testes psicométricos possuem uma estruturação diferenciada, orientada pelas ferramentas estatísticas. Para estes, existe um rigor estatístico que precisa ser observado. Por exemplo, um teste psicométrico está baseado nas respostas de um número significativamente grande de pessoas, pois isso aumenta o seu poder de avaliação. Precisa ser válido também: um teste de atenção deve realmente mensurar a atenção, e não outra coisa, senão não será útil (e aqui uma boa teoria faz toda a diferença). Deve ser fidedigno, ou seja, precisa ser estável, capaz de continuar mensurando uma característica por um tempo considerável, e ser preciso, que se reflete na capacidade de dar um "valor" adequado àquilo que está sendo medido. Desta forma, quando o teste for aplicado numa pessoa, suas respostas serão comparadas com as outras que já foram emitidas a ele e servem como referência. Para regulamentar e fiscalizar a qualidade dos testes, o Conselho Federal de Psicologia desenvolveu o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI), que avaliou vários testes disponíveis no Brasil e possui uma listagem daqueles que são considerados favoráveis para aplicação.


Mesmo que um teste seja bem construído e baseado numa teoria consistente, de nada adiantará se a pessoa que o aplicar não tiver o treinamento adequado. Um teste não pode ser aplicado de qualquer forma em qualquer situação: o desempenho de uma pessoa avaliada por um teste de atenção será certamente prejudicada se as situações ambientais não forem favoráveis (por exemplo, se houver muitos ruídos na sala, movimentação de pessoas, etc.). Assim, um bom treinamento do avaliador é fundamental para a qualidade da realização da testagem.


Finalmente, um teste somente não é capaz de avaliar vários aspectos de uma pessoa. Não tem sentido nenhum aplicar somente um teste numa pessoa e ter a pretensão de que isso diga "tudo" sobre ela. Os testes existem para avaliar habilidades e características específicas, pois um teste de atenção nada dirá sobre a vida afetiva de uma pessoa ou suas habilidades interpessoais. Fazer este tipo de interpolação é totalmente inadequado.


Apesar destas observações, os testes psicológicos se constituem numa ferramenta fundamental para o trabalho do psicólogo. Como instrumentos construídas pelo homem, possuem limitações. Mas desde que estas limitações sejam conhecidas e controladas pelos profissionais, eles continuarão sendo bastante eficazes e capazes de traduzir características e motivações do comportamento humano.

domingo, 27 de setembro de 2009

O mundo de Maya

O pensamento oriental ensina que o mundo é Maya, ou seja, é uma ilusão. Esse ensinamento pode parecer um contra-senso para nós, afinal vemos pessoas, prédios, carros, nos relacionamos e trabalhamos. Isso é uma ilusão? Não existe? Existe sim. Dizer que o mundo é uma ilusão não é dizer que nada existe, mas é afirmar que as coisas podem ser diferentes do que o que estamos vendo e sentindo.

Quanto uma pessoa tem depressão, por exemplo, não é ilusão o sentimento de tristeza que ela tem, nem a falta de energia para fazer as coisas. Ela também não é uma pessoa preguiçosa ou vagabunda, como os familiares ou ela mesma pode vir a acreditar que é. Se ela se apresenta nesse estado, é porque um conjunto de acontecimentos prévios favoreceu esta situação. Como dissemos já em outros artigos, os fatores genéticos possuem influência sobre os transtornos mentais, tanto quanto os aspectos relacionais. É nesse ponto, nas relações que estabelecemos, que as ilusões passam a existir.

Pesquisas em psicologia cognitivo-comportamental têm apontado que a pessoa que está com depressão percebe-se de forma negativa, percebe o mundo como hostil ou ameaçador e visualiza seu futuro com pouca ou nenhuma esperança. Isso significa que ela vê a si mesma, o mundo e o futuro de forma triste, sem perspectivas de mudança, porque sua tristeza acaba por prejudicar seu raciocínio. Então, mesmo que alguém tenha dinheiro, um bom emprego e relações afetivas satisfatórias, não vai conseguir se sentir bem porque não vai enxergar as coisas favoravelmente, e isso vai gerar mais tristeza, criando um círculo vicioso.

A medicação tem papel muito importante para restabelecer os neurotransmissores, que é uma das etapas do tratamento da depressão. Mas um tratamento somente com medicação não é suficiente, na maioria dos casos, para restabelecer a saúde mental. Nesse ponto é que entra o combate à Maya. Ao conversarmos com alguém com depressão, poderemos observar que ela vai mencionar que as relações que estabeleceu com pessoas importantes no passado nem sempre foram tranqüilas, e é bem possível que, de uma forma inconsciente, ela aprendeu que com ela as coisas não vão dar certo. É bastante comum ver que pessoas com depressão tiveram muitas cobranças emocionais de pessoas importantes, como os pais, e aprenderam que devem fazer tudo "certinho" para agradar essas pessoas. Como não temos o hábito de analisar nossos comportamentos e o comportamento de nossos pais em profundidade, geralmente é só quando se faz psicoterapia que se pode identificar que essas cobranças estão atrapalhando muito a vida do paciente. Muitas pessoas talvez não gostem da psicoterapia porque ela confronta nossas crenças e derruba ilusões: ilusão de que nossos pais foram bons para nós, a ilusão de que nosso emprego era tudo o que queríamos, e a ilusão de que o casamento que temos é o melhor ou o pior do mundo. Isso não significa que os pais, os companheiros e os chefes são os culpados pelo que acontece de ruim em nossas vidas: significa aceitar que eles são humanos, como nós, e acertam e erram, como nós.

Se é um processo doloroso derrubar as ilusões, reconstruir uma nova possibilidade de vida é trabalhoso. Mas nossas vidas são feitas de escolhas. Podemos escolher continuar sofrendo e não fazer nenhum tratamento. Podemos escolher só tomar a medicação. Podemos escolher continuar no emprego que nos dá um bom salário mas nos tira a noite de sono e a paz. Pasmem, podemos escolher ficar no casamento que temos, mesmo que ele seja horrível. Podemos escolher reclamar sem fazer nada, ou então aceitar passivamente sem reclamar nossas dores e sofrimento. Mas se optamos por desconstruir nossas ilusões, assumimos riscos: o risco de ter felicidade, o risco de ter liberdade, e o risco de comandar nossa própria vida.

*Este artigo foi publicado num jornal local em 2008.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

O segredo de uma vida feliz

Essa é uma das questões que sempre nos acompanhou ao longo da trajetória humana. Podemos dizer que nosso comportamento possui como um de seus motivadores centrais a busca pelo bem-estar e a alegria, ditos de uma maneira mais simples, da felicidade.

Mas quais são as coisas que nos deixam felizes? Talvez o estudo longitudinal mais longo realizado na história da ciência - superior a 70 anos -, elaborado pela Harvard Study of Adult Development da Harvard Medical School, coletou dados diversos de 200 estudantes homens. Os dados investigavam uma lista ampla de características, tais como saúde emocional e física, e as comparavam com suas carreiras, casamentos, hobbies e nível de satisfação com a vida.

Foi encontrado que a prática de exercícios físicos está correlacionada positivamente com uma boa saúde mental na terceira idade, e que a prática religiosa, ou proximidade com uma religião, não está associada com saúde física, mental ou bem-estar social. Certamente que diversas variáveis controláveis são preditoras de uma vida feliz, enquanto que outras nem tanto (como os fatores biológicos relacionados à longevidade dos ancestrais), mas um dado pode ser apontado como um dos principais fatores da felicidade: Bons relacionamentos. Os relacionamentos satisfatórios com outros significativos, como pais, cônjuges e filhos desde a infância são os preditores mais importantes da felicidade.

O artigo pode ser lido aqui (em inglês).

sábado, 27 de junho de 2009

O Cérebro e a Mente (II)

Seguindo o raciocínio do último post, onde se discutiu o problema da dicotomia mente-corpo, a entrevista com o médico fisiatra John Sarno faz uma importante relação entre o fenômeno da dor e suas causas.

Muitos pacientes na clínica médica reclamam de dores que não são bem explicadas por nenhuma patologia orgânica definida. Isso gera por um lado uma busca gigantesca por novos diagnósticos, ao mesmo tempo em que pode gerar um preconceito contra o relato dos pacientes que não "colaboram" com o tratamento. Contudo, geralmente se esquece as relações entre mente e corpo, que por serem invisíveis na clínica médica não são levadas tão a sério como causa da dor.

Os achados de Sarno apontam que as vivências emocionais traumáticas de etapas anteriores da vida podem efetuar registros no sistema nervoso central, a ponto de baixar o limiar de dor. A recuperação e a vivência destas experiências podem levar a um alívio dos sintomas e a um resgate da qualidade de vida do paciente. Para finalizar: a psicanálise já cantou esta pedra há cerca de 100 anos, não sendo novidade na área psicológica.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O Cérebro e a Mente

Por mais que os profissionais lutem contra o pensamento cartesiano no estudo do comportamento, é curioso observar como o entendimento da relação entre mente e cérebro ainda está permeada por esta divisão. É muito comum que escutemos em congressos, seminários, leiamos em livros e artigos frases como "É essencial considerar o ser humano como um todo integrado" ou "Não há como separar o comportamento de sua base biológica". Se as pessoas dizem isso com tanta frequência, deve ser porque os profissionais ainda devem ser convencidos que essa divisão não deve acontecer. Isso porque ela acontece na prática.

Um dos pontos em que isso pode ser observado é na descrição usual da relação entre a mente e o corpo. Por óbvio que são coisas distintas, mas inter-relacionadas. Se perguntarmos a um profissional da saúde mental qual a relação entre as duas, dirão, como exposto acima, que não há como dividir, etc. Mas aprofundando o questionamento, os psicólogos parecem pender a balança para algo do tipo "os aspectos emocionais/cognitivos influenciam mais o comportamento" enquanto que o campo médico/biológico enfatiza a "estrutura e funcionamento" do cérebro.

Esse jogo de forças conceitual pode ser facilmente resolvido com o entendimento da teoria da evolução das espécies. A evolução preconiza que as modificações do organismo de uma espécie ocorreram para que ela tenha melhores condições de sobrevivência, e, principalmente, de reprodução. O cérebro e o comportamento de nossa espécie também estão sujeitos a estes mesmos princípios: se hoje pensamos e sentimos da forma como fazemos, isto é produto das forças que delinearam e modelaram o cérebro. E o ambiente social é uma poderosa força modeladora: cérebro e mente co-evoluem a partir das influências ambientais, entenda-se, influências da sociedade, que é o ambiente humano natural.

Quanto melhor este tema for debatido nos cursos de formação, mais condições teremos de realmente superar a ponte que separa essa dicotomia cartesiana. Mas isso somente poderá ocorrer se os professores também conhecerem a teoria da seleção natural.

domingo, 29 de março de 2009

Os dois cérebros

É impressionante o relato da neurocientista norte-americana Jill Bolte Taylor sobre a experiência de um acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico. Ela acordou um dia e percebeu que estava tendo um derrame, e esta experiência proporcionou-lhe uma visão bem distinta sobre o funcionamento do cérebro e a relação entre os hemisférios esquerdo e direito.

De forma sucinta, o hemisfério esquerdo processa as informações relacionadas com os componentes racionais-cognitivos, enquanto que o hemisfério direito realiza a integração de outros estímulos, não-racionais. A integração entre estas duas partes permite que nós nos relacionemos com o mundo como fazemos.

Entretanto, a experiência vivida por Taylor mostra como seria se nossa parte esquerda, racional, fosse "desligada" momentaneamente. O aspecto racional da análise das coisas seria fortemente suprimido, e o lado "sentimental" tomaria predominância na forma como percebemos e nos relacionamos o mundo.

Pode-se dizer que a descrição da experiência se aproxima de uma experiência mística; são relatados sentimentos de perda do "eu" e uma sensação de unidade com o Universo. Portanto, é interessante questionar se a predominância do funcionamento do hemisfério direito poderia favorecer as experiências religiosas.

O conteúdo da experiência de Taylor pode ser visto aqui.

domingo, 1 de março de 2009

A simplicidade do criacionismo

É interessante observar como o pensamento científico parece, talvez na maior parte das vezes, ir na contramão do raciocínio humano. Um exemplo disso é o fato de que é a Terra que gira em torno do Sol, e não o contrário. Bem, nossos sentidos nos dizem que é o Sol que gira em torno da Terra, afinal, estamos "parados", e fica difícil de imaginar que o que ocorre na verdade seja o contrário. Isso foi uma verdade por muito tempo, e foi a duras penas que o geocentrismo caiu.

O processo evolutivo dotou nosso cérebro com habilidades paradoxais: ao mesmo tempo que somos curiosos, parecemos preferir as respostas mais simples, mesmo que sejam imprecisas, porque isso gera menos ansiedade. Quando alguém está passando por algum problema, geralmente pensa: "O que fiz de errado para estar sofrendo assim?", e como tentativa de responder a essa questão, lança mão de uma resposta única: "Estou mal porque fiz isso", ou "É por culpa de Fulano". Uma resposta, mesmo que não tão precisa, reduz a ansiedade que certamente surge quando temos que lidar com várias alternativas, e corremos o risco de escolher a solução errada. E ansiedade excessiva reduz as chances de sobrevivência.

O criacionismo faz isso. Com a intenção de querer explicar a complexidade da vida e do universo, acaba "jogando" para a suposta existência de um ser superior a explicação, simples, de que este ser criou tudo. Esse mecanismo gera tranquilidade, mas no fim não explica muita coisa. Além disso, tem o inconveniente de "misturar" aspectos científicos com a dimensão moral. Em vez de clarear a discussão, este tipo de vínculo, realizado desta forma, torna o problema mais espinhoso, porque toca na nossa necessidade primata de amparo (vide A necessidade da fé).

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O que é a ciência, afinal?

*Este artigo foi publicado no jornal O Rodinho, da IMED. Aqui reproduzo na íntegra o texto, que pode ser conferido também aqui.

Amigos, é com muita alegria que aceitei o convite d'O Rodinho para escrever uma coluna. E como não poderia deixar de ser, vou escrever sobre um tema que acho bem importante e ao mesmo tempo pouco conhecido: o que é a ciência.

O título desse artigo foi tomado emprestado de um livro escrito por Alan Chalmers, pela editora Brasiliense. Neste livro, o autor tenta responder a esta tão importante pergunta de uma forma clara e divertida, afinal a ciência não é uma coisa "chata", só para os iniciados; ao menos, não precisa ser desta forma. E essa é uma das primeiras visões que a gente tem da ciência, que ela é algo obscuro, cheia de fórmulas complicadas e incompreensíveis. É claro que a ciência tem uma linguagem própria, porque se ela busca compreender o mundo de uma forma mais clara e precisa, deve desenvolver mecanismos que possam atingir estes objetivos. Então não são todas as pessoas que compreendem a ciência, pois muitos não tem interesse em conhecer esta linguagem ou então, o que é pior, tiveram uma péssima primeira impressão da ciência, e querem estar longe dela.

Escrevi recentemente um artigo onde eu comparava a curiosidade da criança à do cientista. Os dois têm isso em comum, mas é claro que a curiosidade do cientista é mais refinada, porque para que ele possa responder as perguntas propostas, as questões não podem ser feitas de qualquer maneira. Também o cientista utiliza-se de um método específico para a ciência, que é chamado de método científico. Além de ser uma disciplina que ensina o aluno a "como fazer trabalhos acadêmicos", a metodologia científica se propõe a organizar as possibilidades de produção do conhecimento, para que aquilo que é investigado possa ser mais claro para os colegas cientistas. Mesmo porque o conhecimento científico é diferente do conhecimento da vida real (o senso comum), do conhecimento filosófico e do conhecimento religioso. A ciência busca ser clara em suas respostas, como dissemos, pois é essa clareza que permite que ela possa ser um conhecimento mais preciso.

Para esta precisão, as ciências utilizam via de regra a linguagem matemática, e aqui está uma coisa que faz com que os estudiosos das ciências humanas se arrepiem. Geralmente os pesquisadores das ciências humanas não gostam da linguagem matemática por várias razões: ora porque entendem que a matemática não pode explicar tudo, ora porque não tiveram treinamento para compreender o que significa uma informação matemática, ora porque não gostam mesmo de matemática. Muitas vezes essa crítica vira repulsa, que pode ser uma repulsa injustificada. Pode-se criar "pré-conceitos" contra a matematização das ciências sem uma base coerente para discutir esse comportamento.

Uma das críticas a isso é que a linguagem matemática seria "infalível e precisa". Não é isso o que acontece. Uma das ferramentas mais utilizadas nas pesquisas em ciências humanas é a estatística, e ela não lida com a precisão, lida com probabilidades. Ou seja, ela não diz: "As pessoas que perderam alguém importante fatalmente terão depressão", mas sim "É mais provável que alguém que tenha perdido alguém importante tenha depressão". Qual a diferença? toda. Pois no primeiro caso se está assinando uma sentença, enquanto que no segundo a informação dá uma condição de alta probabilidade, mas não de certeza. Portanto, atenção quando você ler uma pesquisa: ela não é definitiva. Pois se a pesquisa fosse definitiva, não haveria avanço no conhecimento científico (é por isso que a ciência vai se aprimorando, porque ela revê seus conceitos e conhecimentos).

Deveríamos ter o primeiro contato mais sólido com a ciência no ensino médio, mas também não é isso o que vemos como regra. Questionando as várias turmas com as quais dou aula, sempre tenho o costume de perguntar: "Vocês tiveram aulas em laboratório de química, física e biologia no ensino médio?" Cerca de 85 a 90 por cento dizem que não tiveram; e os poucos felizardos que tiveram, me dizem que foram uma ou duas vezes nos três anos, e ficaram assistindo, ou seja, não realizaram um experimento do início ao fim. Então, pergunto: como desejar que a ciência brasileira se destaque no mundo? Temos, sem dúvida, ótimos cientistas, mas estes são verdadeiros heróis, pois tudo foi contra sua vocação. Então, acaba que o primeiro contato com a ciência ocorre no ensino superior...

Acho muito importante que os alunos do ensino superior discutam e, principalmente, conheçam a ciência. É possível que este seja o último momento onde terão a possibilidade de discutir esse tema, pois depois que se formarem (exceção aos que quiserem a carreira acadêmica), provavelmente não terão mais esta oportunidade. Então, sejam críticos, perguntem aos seus professores qual é a base dos seus conhecimentos, e como este conhecimento foi produzido, pois tão importante quanto uma boa bagagem de conhecimentos técnicos, é fundamental ter um espírito crítico. E isso a ciência tem de sobra.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Camaleônidas



Grande Ser, agradecemos por este período bom. Somos criados à tua imagem e semelhança, embora pequenos e camaleões, porque és benevolente. Que teus olhos independentes olhem sempre por nós. Que possamos nos aproximar da tua infinita e perfeita capacidade de se adaptar ao ambiente, mesmo sem compreender exatamente como isso ocorre. Que todos os camaleões possam agir como se tivessem nascido da mesma ninhada, e que sejam cada vez mais camaleônicos e sensíveis, e tenha misericórdia daqueles seres que não nasceram com a perfeita capacidade de mudar de cor.

Reconhecemos que, embora pequenos, nos fizeste melhores que os outros seres porque podemos mudar de cor, e por isso utilizamos esta capacidade para lhe amar sempre mais e mais, e é por isso que tu nos ama. Foi tua infinita bondade que nos deu o mimetismo, que nos coloca acima das outras criaturas, porque este é o supremo dom da criação, e que possamos usá-lo para mostrar aos outros camaleões que tu criaste o universo e tudo o que nele há somente para que possamos nos adaptar a ele.