Pós-graduações IMED 2013

domingo, 29 de agosto de 2010

A Estante da Ciência

*Este artigo foi publicado no jornal O Nacional, de Passo Fundo, em 17 e 18 de Janeiro de 2009. Resolvi postar no blog porque as coisas continuam iguais...

Se aquilo que uma sociedade lê reflete o que ela é, podemos concluir que a ciência é algo que não está muito no gosto dos leitores brasileiros. Em visita costumeira a algumas grandes livrarias de Porto Alegre, observei a disposição das estantes e a quantidade de títulos mostra algo curioso: além da literatura ficcional e não-ficcional, há uma grande oferta de livros de auto-ajuda. Nenhuma novidade, qualquer um pode constatar. O interessante é que estes livros estão expostos de forma que o público que entra na livraria os visualiza com facilidade e rapidez. Os livros científicos, e me refiro especialmente os de divulgação científica, que exigem do leitor um conhecimento apenas mínimo de ciência, por sua vez estão quase ausentes. Se você quiser livros de divulgação científica, vai ter que procurar. Quando encontrar, vai observar que ocupam um espaço muito pequeno em relação ao espaço da livraria como um todo (chuto por alto 1% sendo bem generoso) e, além disso, com poucos exemplares, poucos títulos e pouca visibilidade.

Esse contraste é curioso. Por que a auto-ajuda vende mais do que a ciência? Por várias razões. As pessoas possuem necessidades emocionais prementes que os livros de auto-ajuda prometem resolver com rapidez e eficiência; e realmente são muito rápidos. Você termina de ler o livro e já esquece. Numa sociedade onde as pessoas não têm mais o conforto de alguém que lhes diga como se comportar, títulos diversos de auto-ajuda dão uma referência de comportamento, mesmo que momentânea. Os livros de auto-ajuda são escritos numa linguagem muito acessível, o que facilita a leitura, além de terem letras agradáveis e não serem volumosos. E não exigem que o leitor pense muito: você joga meia-dúzia de fatos da vida, mais uma pitada de senso-comum, uma dose de "veja como você não consegue ver coisas óbvias em sua vida" e um toque final de "faça assim que você vai se dar bem" e a fórmula não tem erro. É batata. Além disso, constroem uma falsa sensação de que você descobriu as coisas que estão dando errado em sua vida e que possui o poder de mudá-las pela "força do pensamento", sentimento que dura até você começar a ler o próximo título que diz basicamente a mesma coisa.

E a pobre ciência... milhões de reais são investidos anualmente na busca de soluções científicas para os problemas humanos, e o que acontece com ela? Fica alheia à vida real, aos problemas reais, acessível a uns poucos iniciados que entendem a linguagem da matemática e ficam fuçando nas coisas até descobrir como elas funcionam. A ciência é vista como algo complicado, chato, difícil de entender, e é claro que ela vai continuar sendo assim, afinal nosso sistema educacional, por falta total de vontade política, não tem interesse que os alunos saiam pensando pelas suas próprias cabeças. Para você que fez o ensino médio, uma pergunta: quantos experimentos de química, por exemplo, você fez? Quantos você viu? E não vale a desculpa de que para fazer experimentos é necessário estrutura, equipamentos... Você sabia que com um pedaço de zinco, outro de cobre e um limão pode-se gerar eletricidade? Possivelmente não; talvez isso se deva ao fato de o limão estar muito caro no mercado. Essa é a melhor fórmula para deixar as pessoas alheias ao conhecimento: dar a ilusão de que sabem algo que na verdade não sabem. Fica bem para todo mundo assim, né?

Quando for numa livraria, se você tiver esse hábito, dê uma passada na seção de divulgação científica. Veja os títulos. Tenho certeza de que algo vai chamar sua atenção. E será algo que vai durar na sua vida muito mais tempo do que um exemplar de auto-ajuda.

domingo, 1 de agosto de 2010

Por que mudar é difícil?

Uma das coisas mais complexas que existem é a mudança duradoura de comportamento. Observamos todos os dias as pessoas, e nós mesmos, dizendo que tal comportamento não nos faz bem e que vamos mudá-lo. Contudo, nem sempre isso acontece de maneira fácil, nem rápida, e é bastante comum que continuemos, após certo tempo, mantendo o mesmo padrão de comportamento. Uma das causas que parece manter a estabilidade do comportamento é o aumento de ansiedade que essa mudança gera.

Por mais que racionalmente compreendamos que tal mudança será benéfica para nós, existe um empecilho: mudar de comportamento significa, primeiramente, analisar o comportamento atual. Aqui começa o problema, pois ao fazer isso, nos damos conta de que muitas coisas importantes que acreditamos na verdade não existem, e isso aumenta o nível de ansiedade. Durante o processo evolutivo, a redução da ansiedade foi um mecanismo importante que colaborou para a manutenção da vida, porque ansiedade em intensidade elevada e/ou por tempo prolongado causa danos ao organismo. Sempre que temos elevados nossos níveis de ansiedade, disparamos mecanismos que tentam reduzir-la, e um dos primeiros movimentos que ocorrem é a tentativa de remoção do estímulo aversivo. Em outras palavras, se começar a pensar sobre nosso comportamento é algo que aumenta a ansiedade, a forma mais fácil de reduzir esta ansiedade é simplesmente parar de pensar.

Vamos imaginar, por exemplo, uma situação de conflito onde a mudança de comportamento seria benéfica: um filho adulto em conflito com a mãe, cuja fonte de atrito é o desejo por parte da mãe de ter o filho mais perto em termos afetivos contra o desejo do filho em ter mais autonomia. Quando este conflito surge, desperta sentimentos de raiva, ansiedade e desconforto em ambos. Na discussão, cada um demonstrará ter razão, pelo seu ponto de vista (a mãe sente falta do apoio emocional do filho; o filho sente-se pressionado e com sua liberdade ameaçada). Ao fim da briga, ora um cede, ora outro cede: o filho aproxima-se da mãe novamente, em termos afetivos, e a mãe, por sua vez, dá um pouco de espaço para o filho, por algum tempo. Desta forma, a ansiedade é aumentada, num primeiro momento, e depois reduzida a níveis suportáveis para ambos. Entretanto, outras brigas virão, porque a fonte que está provocando a ansiedade não foi tocada.

Mas o que aconteceria se um destes dois protagonistas começasse a pensar na relação que tem com o outro, sobre seus comportamentos, sentimentos e as consequências disso? Vamos supor que a mãe começa a pensar sobre a criação do seu filho, em como se dedicou a ele e como ele está sendo ingrato ao não corresponder aos sentimentos dela. Isso certamente vai despertar os sentimentos de ansiedade, que pode desencadear a briga, pelo pressuposto: "Aproxime-se de mim, me dediquei a você e agora estou me sentindo mal porque não sinto que você corresponde a tudo o que fiz". Se, ao invés de iniciar a briga, a mãe continuasse pensando sobre as causas de seu desconforto e quais as consequências que isso gera para todos, poderia se dar conta que se dedicou de forma intensa para o filho porque, na verdade, estava se sentindo desvalorizada em outras áreas, como por exemplo, na relação com seu companheiro ou com a sua família de origem. É bem provável que esse tipo de pensamento iria gerar muito mais ansiedade, aumentando o sofrimento já experimentado no presente pela briga.

Por parte do filho, se ele também observasse que a ansiedade que está sentindo quando briga com sua mãe está sendo alimentada, muitas vezes, por comportamentos do passado, teria, assim como ela, aumentado o seu nível de ansiedade. Então, ainda gera menos sofrimento toda a ansiedade produzida pela briga atual do que "mexer" nas coisas que aconteceram no passado e que estão alimentando os conflitos do presente: quando a briga termina, a ansiedade baixou, mas ninguém pensou em tocar na fonte dos problemas. Ou se pensou, não foi forte o suficiente a ponto de mudar seu comportamento de forma significativa.

Então, o que dificulta muito a mudança do comportamento não é falta de capacidade de pensar sobre nossos problemas, mas sim uma espécie de "armadilha" emocional que visa a preservação do funcionamento do sistema nervoso - a evitação dos sentimentos de ansiedade. Sempre que pensar sobre algo gera ansiedade, a primeira reação será combater este pensamento. Como isso geralmente dá certo, podemos compreender então porque é tão comum que as pessoas pensem pouco sobre seus próprios comportamentos e tenham tanta dificuldade de mudá-los. Entretanto, pensar sobre o comportamento e efetuar as mudanças, mesmo que doloroso, tende a trazer a longo prazo mais benefícios, pois os conflitos já compreendidos e trabalhados tendem a exigir menos do sistema nervoso, disparando menos os mecanismos de ansiedade e aumentando a qualidade de vida.