Pós-graduações IMED 2013

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

A não-ciência psicológica

A ciência é um dos principais mecanismos que temos para conhecer o mundo de uma forma segura, diferente das outras formas de conhecimento. Entretanto, os conhecimentos obtidos pela aplicação de uma racionalidade metódica muitas vezes contradizem os nossos desejos e expectativas, mostrando uma realidade às vezes muito dura. A história da medicina, por exemplo, tem mostrado que muitas crenças mantidas por séculos ou milênios foram derrubadas quando os dados exigiram novos mecanismos explicativos. Acreditava-se no século XVIII que miasmas eram responsáveis pelas infecções, mas depois da descoberta dos microorganismos essa teoria simplesmente foi ultrapassada. Mas não sem brigas: foi necessário que uma nova geração de biólogos viesse para aceitar essas idéias. Os fatos biológicos derrubaram as especulações.

Isso funciona muito bem para a biologia e para as ciências naturais de uma forma geral, mas nas ciências humanas, e no caso da psicologia especialmente, os fatos parecem ter uma importância relativa. Melhor dizendo: é possível estabelecer "fatos" a partir de teorias, e não o contrário. Se as teorias inicialmente serviram para explicar um determinado conjunto de fenômenos (como a teoria do complexo de inferioridade de Alfred Adler), depois acabam por formatar o pensamento, fazendo com que os estudiosos do comportamento humano se esforcem para buscar no paciente atendido algum vestígio da teoria. Ao invés de buscar dados que fundamentem a teoria, corre-se o risco de usar a teoria para achar dados no paciente. Isso porque os fatos psicológicos estão muito mais sujeitos à diferentes interpretações, por possuírem uma estrutura abstrata. É certo que a teoria, depois que os dados são compreendidos, possui um potencial de previsão nas ciências naturais, mas como separar, no caso das ciências humanas, previsão de dados e crença numa teoria?

As diversas teorias psicológicas, apesar de trazerem uma fertilidade interessante de idéias para a psicologia, acabam gerando confusão. A ausência de um pilar central, de uma teoria que possa responder de forma satisfatória explicações sobre o comportamento humano através de uma metodologia científica faz com que a psicologia não assuma um aspecto científico. E há mesmo quem diga que não é possível estudar o comportamento pela ciência... A psicologia assim não se configura uma ciência do comportamento, a não ser que estejamos falando do behaviorismo e da psicologia cognitiva, e sem ser ciência não é possível pensar em avanços sólidos em algum campo do conhecimento. Talvez o principal problema na transformação da psicologia numa ciência não seja que seus "dados" sejam abstratos, mas sim que a postura do estudioso do comportamento humano não seja uma postura, via de regra, científica.

Existem idéias que geram certa repulsa nos estudiosos do comportamento humano. Muitas vezes observamos um tom de incredulidade ou mesmo rejeição de idéias que em outros campos do conhecimento já são tidas como referência. Uma delas é a aceitação da mente como um produto evolutivo, proposição derivada diretamente da teoria da evolução de Darwin. Considerar a mente como um resultado da evolução, que é cega, acaba sendo um duro golpe em pessoas que preferem acreditar na "subjetividade" como se fosse uma entidade que existisse por si só, quase de forma independente do corpo. Não investigar os fundamentos da mente humana a partir de referências já consolidadas em outros campos da ciência, ou desprezar esses conhecimentos, fará com que a psicologia ainda permaneça num estágio pré-científico, e sem poder gozar de um status que a coloque como uma ciência válida e útil.