Pós-graduações IMED 2013

quarta-feira, 14 de maio de 2008

A seleção do comportamento

Tem-se como corolário na biologia que a ontogênese reproduz a filogênese. Em outras palavras, as estruturas biológicas vão surgindo no processo embrionário de forma a reproduzir, em linhas gerais, o caminho evolutivo de determinada espécie. Desta forma, é impossível diferenciar nas semanas iniciais um feto humano de um feto de peixe, mas posteriormente as características das espécies vão surgindo e definindo o novo ser.

O comportamento também passou por um processo evolutivo, sendo também um produto darwiniano. Nossa espécie tem um comportamento complexo, e essa complexidade certamente ocorre porque gerou uma vantagem evolutiva. Ter um cérebro capaz de processar informações de forma abstrata pode ter sido um elemento crucial que proporcionou a geração de um novo nicho ecológico para nossa espécie, e conseqüentemente uma vantagem considerável perante os predadores, fornecendo mecanismos mais eficazes que pudessem garantir a sobrevivência.

A psicologia do desenvolvimento ocupa-se de estudar como o comportamento humano ocorre na ontogênese, no desenvolvimento de cada novo ser. Seria, neste ponto, interessante considerar se o desenvolvimento do psiquismo humano, de alguma forma, pode reproduzir a filogênese dos nossos comportamentos como espécie. Não se quer com isso reduzir o comportamento humano exclusivamente a um processo biológico de amadurecimento do cérebro, mas sim considerar a possibilidade de ver na psicologia do desenvolvimento uma ferramenta potencial para descobrir os passos utilizados pela evolução das espécies para a seleção do comportamento humano. Se for este o caso, a observação do desenvolvimento mental da criança e a comparação deste com espécies de primatas próximos pode ser uma chave para compreender o nascimento da mente.

domingo, 13 de abril de 2008

O cérebro reptiliano

Uma das estruturas mais interessantes originadas pelo processo de seleção natural é o cérebro humano. Ao mesmo tempo capaz de realizações que transcendem a biologia, como a criação da cultura, ele é enigmático porque possui uma dimensão primitiva, irracional, que influencia em grande medida nosso comportamento. Mas por que há esse primitivismo?

De acordo com a teoria da evolução, as estruturas que concedem vantagens evolutivas para uma espécie tendem a se reproduzir. Lentamente uma espécie vai passando por modificações, até que, após milhares de anos, pode haver o surgimento de uma nova espécie. Contudo, as espécies que descendem acabam herdando as estruturas dos antepassados, pois elas passaram pelo "teste" da seleção natural. Uma característica ou órgão desaparecem se diminuem as chances de sobrevivência; se não desaparecerem, a espécie é que pode acabar sendo extinta.

Num ambiente, várias podem ser as soluções estratégicas para a sobrevivência das espécies, e cada uma destas estratégias leva em conta a herança e as modificações provocadas pelo ambiente. Por exemplo, se num determinado ecossistema houver o aumento do número de predadores, haverá uma modificação no número de presas; quando estas escassearem, os predadores que tiverem mais facilidade para se adaptar ao novo contexto de presas escassas terão mais chances de sobrevivência, e as espécies menos flexíveis terão suas populações diminuídas.

Com o aumento da complexidade da natureza, o processo de seleção natural acaba constituindo caminhos interessantes como alternativas de sobrevivência. A cooperação parece ser uma destas vias. As espécies que cooperam utilizam formas coletivas de proteção e aviso, e isto faz com que a coletividade passe a se assumir como um tipo de "superorganismo", capaz de realizar funções que individualmente não seriam possíveis. Um exemplo deste tipo de organização são as abelhas; outro exemplo, os seres humanos.

No caso da nossa espécie, contudo, a composição é bastante interessante: ao mesmo tempo que somos capazes de cooperar, temos uma "herança" reptiliana de comportamentos predatórios. Por óbvio que este comportamento teve vantagens evolutivas, pois de outra forma não poderiam estar presentes em nossa espécie, e é essa combinação faz com que nosso comportamento tenha tantas variações. Ao mesmo tempo que somos capazes de construir comunidades, como espécie somos incapazes de deixar de lado comportamentos altamente destrutivos como o preconceito e as guerras. Se a evolução manteve um repertório de comportamentos predatórios, também favoreceu o surgimento de outras estruturas que permitiram o aparecimento do pensamento, da racionalidade e da linguagem. O mosaico está formado.

A irracionalidade de nossos comportamentos remonta às estruturas mais primitivas de funcionamento cerebral, enquanto que o pensamento e a linguagem remontam às estruturas mais recentes: isso explica por que os bebês choram antes de aprender a falar. Durante o processo de desenvolvimento do organismo, gradativamente o lado primitivo de nosso comportamento passa ao controle, ao menos parcial, dos aspectos racionais, e esse movimento permite a conquista da socialização, da mesma forma que estruturas sociais são condicionadas por elementos irracionais. Mas nunca abandonamos a forma de agir "reptiliana", e isso aparece quando o tom emocional de alguma situação exige mais do nosso aparato racional do que ele pode dar. Nesta hora, o réptil que há em nós desperta.

domingo, 30 de março de 2008

O recuo de Deus

Ao analisarmos a história das ciências, observamos que gradativamente o pensamento racional avançou no campo de conhecimentos menos precisos, o que permitiu uma modificação e um controle cada vez maior dos processos da Natureza e de como a compreendemos. Este movimento foi observado inicialmente no pensamento mitológico e depois se instaurou no campo religioso.

Por que ciência e religião entram, costumeiramente, em conflito? Porque ambas propõem explicações e métodos diferentes sobre como o mundo funciona. A ciência visa compreender e modificar o mundo a partir de evidências obtidas por experimentos, ou seja, o mundo precisa ser "testado" para que se veja como ele funciona. Na religião, esse critério é dispensável: não é obrigatório que a pessoa teste o mundo para explicá-lo, mas é fundamental a crença na ação de um agente superior. Portanto, o conhecimento é diferente porque o método de obtenção deste conhecimento é diferente.

O conflito começa quando a ciência busca testar temas que são considerados sagrados, como é atualmente o caso das células-tronco e da pesquisa genética com seres humanos. Esses assuntos encarnam as modernas discussões teológicas que antes tinham lugar na astronomia. Talvez hoje nem nos assombremos pelo fato de ter sido demonstrado que a Terra gira em torno do Sol, mesmo que nossos sentidos digam o contrário, mas nos séculos XVI e XVII esse pensamento causava um desconforto tão grande na forma como o mundo era percebido que os cientistas foram muito atacados. O tempo mostrou que a ciência venceu, porque ela testou a realidade.

Nesses movimentos da investigação científica, a idéia de Deus recua cada vez mais, e quanto mais a ciência caminha, parece haver cada vez menos espaço para este recuo. Se antes podia-se pensar que ele estava nos céus, hoje as explicações sobre Deus são diferentes, e se diz que sua presença se manifesta na física quântica, ou que ele é uma "energia" que permeia todas as coisas. Até onde esse recuo irá?

Na verdade, algumas questões precisam ser colocadas aqui. Quando se discute ciência e religião, religiosos podem combater a ciência como se ela fosse uma forma concorrente de crença, um tipo "diferente" de religião. Esse argumento não tem validade, porque o método que a ciência usa é a melhor garantia que se tem que o conhecimento obtido pelo experimento não vai se tornar um dogma. Podemos não acreditar na eletricidade, mas isso não vai impedir que ela continue existindo, independente de nossa crença. O grande trunfo da ciência é que ela se auto-atualiza, e faz isso baseando-se em evidências.

Depois, é fundamental separar duas características da religião: uma é a tentativa de explicar a existência das coisas, e a outra é o consolo que ela dá para o desamparo humano. Quanto se fala de ciência, é bastante clara a separação entre estas duas partes: as ciências duras explicam como as coisas funcionam, e a psicologia, como ciência soft, busca compreender de onde vem nosso sentimento de desamparo. Mas na religião, essa separação não é nítida. Ao mesmo tempo, ela responde a várias perguntas fundamentais: quem somos, porque existimos e qual é o sentido de nossa existência. Portanto, uma das coisas que torna a religião poderosa é que ela serve a múltiplos propósitos, coisa que a ciência não faz; as respostas que ela dá podem ser interligadas e, ao mesmo tempo, satisfazer muitas de nossas necessidades, não só a de conhecimento, mas a de sentido de existência e de afeto.

Apesar disso, é interessante observar que a religião muitas vezes deseja uma legitimação da ciência. Por que isso ocorre? Porque a ciência tem um tipo de conhecimento que a religião não possui, que é a possibilidade - e o fato - de manipular o mundo de uma forma mais precisa. Talvez isso mova muitos religiosos em direção ao pensamento científico, assim como muitos cientistas buscam uma aproximação com a religião visando respostas que a ciência não tem conseguido dar ou que julgam insatisfatórias.

Psicologicamente, a idéia de Deus tem muita influência, e talvez a última fronteira deste recuo seja a mente humana. De certa forma, podemos dizer que ela volta, ao fazer isso, de onde saiu. É possível que, em vista das necessidades humanas, ela encontre um abrigo seguro aí para sempre. Mesmo que haja pessoas que não acreditem na existência divina com base no que se sabe de ciência, grande parcela da população ainda necessitará da idéia de Deus lhe trazendo consolo e orientando seu comportamento.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

A formação científica no ensino superior

O patrimônio cultural de um povo pode ser estimado pelo nível de educação. Mas tão ou mais importante que o nível de educação formal é o que realmente se aprendeu, pois é isso que permite o domínio de um determinado conhecimento, que realmente faz a diferença. Isso significa que, muito mais do que a escolaridade ou ter um diploma superior, é aquilo que uma pessoa realmente consegue fazer, o seu grau de domínio prático da área, que vai mostrar se ela é ou não competente.

E nesse mister o pensamento científico é uma grande ferramenta. Os progressos tecnológicos da humanidade somente ocorreram porque pessoas corajosas desafiaram e desafiam idéias pré-concebidas, oferecendo uma visão mais precisa sobre como o mundo funciona. Mas para se ter uma visão diferente das coisas, é necessário pensar, e aí começa um problema. Como professor, tenho trabalhado há um certo tempo com turmas em diferentes níveis do ensino superior, e observo, infelizmente, que a maioria dos alunos possui carências severas de conhecimento científico. Poucos são os que gostam, entendem e estudam ciência, mesmo que não digam respeito diretamente ao seu curso superior. Isso limita grandemente os recursos intelectuais e a capacidade de inovação em uma área do conhecimento, pois a tendência é que se restrinjam as leituras numa área do conhecimento, fazendo com que as demais sejam mesmo desprezadas.

Nesse contexto, cabe muitas vezes ao professor do ensino superior resgatar, ou criar, no aluno um sentimento de curiosidade sobre o conhecimento. Além do conhecimento técnico necessário a qualquer profissão, é fundamental que o aluno saiba pensar as dificuldades e os desafios que serão impostos pelo contexto do trabalho.

Esse é um desafio pedagógico gigantesco para o professor, pois esta tarefa será bem executada se, além do conhecimento em profundidade em sua área, ele tiver também disponibilidade e conhecimento em áreas próximas. Essa relação de áreas de conhecimento se constitui no elemento mínimo indispensável para um ensino multidisciplinar, que é um dos elementos que vai diferenciar um profissional competente de um profissional mediano.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O ambiente

O fisiologista Claude Bernard cunhou no século XIX a expressão millieu intérieur para se referir ao líquido extracelular. A função deste líquido é manter as condições ideais para a vida das células, que só pode ocorrer a partir da manutenção da troca de substâncias. O metabolismo celular precisa constantemente ingerir oxigênio e nutrientes e expelir os dejetos metabólicos, como o gás carbônico e demais produtos, e enquanto o líquido extracelular se mantiver em condições ótimas, a célula pode se manter viva.

No campo psicológico, pode-se utilizar o millieu intérieur como metáfora da regulação do comportamento. As pessoas estão constantemente se relacionando com o ambiente que as cerca, trocando principalmente informações. As informações são agentes que modificam o comportamento, podendo tanto dar indicativos de que tudo está indo bem quanto gerar sinais de alerta. Um bom exemplo disso são as relações familiares: por mais que se acredite, em parte erroneamente, que somos os "donos" de nossos comportamentos, pode nos afetar muito palavras duras vindas de nossos familiares como "Eu te odeio" ou "Você é um mentiroso".

O senso comum tende a considerar que as pessoas são senhoras da sua vontade, e que todos deveriam ter controle sobre seus atos. Sabemos que isso não acontece. Um dos fatores diz respeito aos elementos biológicos, pois existem pessoas mais propensas a comportamentos impulsivos e outras nem tanto. O outro fator é o ambiente, que é interpretado através dos mecanismos de aprendizagem. Muitas vezes aprendemos tão bem as coisas que acabamos por repeti-las sem nos darmos conta de que estamos fazendo; isto é o que faz uma pessoa responder: "Não sei porque continuo brigando com meus pais, mas eles continuam me irritando". Mas a aprendizagem é realizada a partir de interações com o ambiente: aprendemos conforme nos dizem o que é certo e errado fazer, e repetimos isso em nossas vidas. Isso significa que nosso millieu intérieur psicológico determina, em muito, aquilo que somos e o que fazemos.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Dancem macacos, dancem

Por mais que se deseje acreditar que o ser humano é superior, nossa natureza não é diferente da dos demais seres vivos. Embora as pessoas se acostumem a pensar que são melhores, que a nossa espécie foi criada à imagem e semelhança de um ser superior, os cientistas têm dito que as coisas não acontecem bem assim.

Muito de nosso comportamento "civilizado" está relacionado com o comportamento animal. Seguindo a teoria da evolução, podemos compreender que a mente também passou pelo processo evolutivo assim como todos os órgãos, e pôde se tornar mais complexa em simetria com o aumento do volume encefálico. Contudo, há estruturas cerebrais primitivas relacionadas intimamente com comportamentos reflexos e processos emocionais que nem sempre são compreendidas em termos racionais, mas que de fato influenciam nosso comportamento de forma decisiva. Talvez essa influência seja aquilo que Sigmund Freud chamou de "inconsciente".

É óbvio para os estudiosos do comportamento que a dimensão emocional e a cognição estão intimamente relacionados. Isso significa que, quando temos um pensamento que gera uma imagem de uma situação triste, via de regra um sentimento de tristeza, em maior ou menor grau, é despertado, da mesma forma que, quando nos sentimos tristes, tendemos a recordar mais dos maus momentos que vivemos do que dos momentos felizes. Portanto, dizer que o pensamento é racional e puro, no sentido de que é desprovido de uma "carga" emocional, é sustentar uma quimera. Mas esta "obviedade" passa desapercebidamente pela maioria das pessoas, e continuamos a dividir nossos atos em "racionais" e "irracionais" como se fossem algo qualitativamente diferentes. Mas não são.

Gostamos de acreditar que somos superiores porque fomos à Lua... porque construímos armas atômicas... porque conseguimos um grande nível de manipulação biológica... mas pensamos em nossos colegas de espécie que morrem de fome? que morrem de frio e que são discriminados por suas crenças ou comportamentos? Pensando assim, talvez não sejamos mais do que macacos dançarinos, e só nos reste continuar dançando (recomendo: Dancem, macacos, dancem e Eu, primata).

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

As bruxas e a mente

Pêlos de aranha são úteis para a adivinhação do futuro, desde que combinados com os elementos certos; senão, nada aparece ao vidente, ou pior, pode revelar aspectos sombrios da criação. Da mesma forma, é possível que os astros, localizados a trilhões de quilômetros, também influenciem o comportamento. Irreal? talvez a diferença entre essas duas proposições seja que menos pessoas acreditam na primeira, sobre os pêlos da aranha, do que sobre a influência dos astros, também conhecida por astrologia.

Essas e outras crenças por muito tempo guiaram as pessoas como referência de comportamento. Ainda hoje há quem acredite que os astros influenciam o destino das vidas humanas. Mas como os astros poderiam influenciar o comportamento das pessoas? Pela gravidade, ora. Mas Carl Sagan, na série Cosmos, mencionou que o médico que faz o parto de uma criança exerce muito mais força gravitacional sobre ela no momento do nascimento do que, por exemplo, Plutão (que não é mais considerado planeta, mesmo que os astrólogos continuem considerando-no com a mesma importância de antes): isso porque a distância é um dos parâmetros para a mensuração da força gravitacional. Portanto, este médico teria mais condições de determinar o futuro da criança do que a influência de um planeta.

Da mesma forma, muitas idéias sobre a mente e comportamento estão mudando. Cada vez mais se conhecem as relações entre a mente e o cérebro, identificando setores responsáveis, por exemplo, por sentimentos de raiva, autocontrole e a consciência. Assim, lentamente velhas crenças sobre o comportamento são substituídas por uma visão científica. A ciência nunca vai explicar tudo, mas um conhecimento mais preciso sobre o comportamento humano sempre é mais satisfatório que um conhecimento mais amplo e impreciso. Mas um dia as bruxas deixarão de rondar a psicologia?